As Bem-Aventuranças do Novo Testamento 1/2
Por Caramuru A. Francisco
Texto Áureo
“E bem-aventurado aquele que em Mim se não escandalizar” (Lc.7:23)
INTRODUÇÃO
Em complemento aos nossos estudos,
faremos uma breve análise das bem-aventuranças em o Novo Testamento , excluídas as
bem-aventuranças do sermão do monte e do sermão da planície. Assim como no
Antigo Testamento, a ideia de bem-aventurança em o Novo Testamento é de cunho
espiritual.
I – AS BEM-AVENTURANÇAS NOS
EVANGELHOS, COM EXCEÇÃO DOS SERMÕES DO MONTE E DA PLANÍCIE
A palavra “bem-aventurado”, usada
com suas cognatas cerca de cinquenta vezes em o Novo Testamento , é tradução
do grego “makarismós” (μακαρισμός), cujo significado é “felicidades”. Para os
gregos antigos, ser “makários” (μακάριος), i.e., “bem-aventurado”, era viver
livre de sofrimentos e de preocupações, ideia pagã que foi completamente
apropriada pela “teologia da prosperidade”. Por isso, os estudiosos entendem
que a raiz da palavra grega esteja vinculada à ideia de “grande” e, por isso,
usada como sinônimo de “rico”, no seu sentido predominantemente material,
sendo, por vezes, aplicada aos deuses, como num contraste com a situação medíocre
do ser humano.
Os próprios judeus entendiam que
a “bem-aventurança” era, principalmente, um estado de bem-estar material, ainda
que como recompensa pela observância fiel da lei. Este significado, entretanto,
era, talvez, fruto da influência das ideias da cultura helenística sobre os
judeus.
A primeira vez que surge a
palavra “bem-aventurado” em Mateus, fora do sermão do monte, é em Mt.11:6,
quando Jesus recebe a visita de dois discípulos de João. A estes discípulos, no
final da mensagem que manda a João, o Senhor diz que “bem-aventurado é aquele
que não se escandalizar em Mim”.
Vemos que, para consolar o
duvidoso e abatido João, o Senhor afirmou que “bem-aventurado é aquele que não
se escandalizar em Mim”, ou seja, aquele que, por causa de Jesus, não venha a
tropeçar na caminhada espiritual, aquele que permanece em pé, que não abandona
o Senhor Jesus. Perseverar na fé e na confiança em Cristo é, portanto, uma
“bem-aventurança”.
Quando verificamos esta
bem-aventurança, já vemos quanto mal têm feito os “pregadores da prosperidade”.
Hoje já são milhões de pessoas que se escandalizaram em Jesus e perderam esta
bem-aventurança porque foram levados a crer em falsas promessas que jamais se
realizarão, promessas estas feitas por estes falsos pregadores, pessoas que se
encontram “decepcionadas com Jesus”. Vemos, pois, como estes homens de Belial
são instrumentos malignos para a perdição das almas.
Em Mt.13:16, temos novo contato
com a expressão “bem-aventurado”, quando Jesus explica a Seus discípulos porque
estava a falar por parábolas. Nessa ocasião, Cristo disse que “bem-aventurados
os vossos olhos, porque veem, e os vossos ouvidos, porque ouvem”.
A bem-aventurança afirmada pelo
Senhor Jesus diz respeito ao atendimento à Sua Palavra, à prontidão para crer na
mensagem do Evangelho. Ao contrário da multidão que O havia deixado depois de
Ele ter contado a parábola do semeador, Seus discípulos, não a tendo entendido,
quiseram saber a respeito do seu significado, não deixando o Senhor e crendo
que Ele lhes poderia explicar o sentido.
A bem-aventurança, portanto, está
em querer ter intimidade com o Senhor Jesus, em querer conhecê-l’O, em não
buscar simplesmente benefícios de Jesus, mas querer ter comunhão com Ele,
exatamente o contrário do que estimulam e incentivam os “pregadores da
prosperidade”. Quantos, na atualidade, não se comportam como a multidão que
deixou o Senhor e não era bem-aventurada? Quantos não vão atrás de Jesus apenas
para ter bens e saúde física, não querendo ter uma vida de comunhão com Ele? “Mas
bem aventurados os olhos que veem e os ouvidos que ouvem”.
A expressão “bem-aventurado”
aparece, então, em Mt.16:17, quando o Senhor Jesus chama de “bem-aventurado” a
Pedro, por ter tido a revelação do Pai a respeito da natureza de Jesus, “o
Cristo, o Filho de Deus vivo”. Esta bem-aventurança deu a Pedro a primazia
entre os apóstolos, primazia que deve ser entendida como o apóstolo escolhido
para levar, em primeira mão, a mensagem do Evangelho aos judeus (no dia de
Pentecostes – At.2) e aos gentios (na casa de Cornélio – At.10) e não, como
entendem os romanistas, como um papel de “vigário de Cristo”.
Apesar de se tratar de uma
“bem-aventurança” especial, podemos daí extrair uma verdade bíblica, qual seja,
a de que se trata de “bem-aventurança” temos acesso à revelação de Deus, o que,
para nós, traduz-se no saber a vontade de Deus, notadamente através da Sua
Palavra, como, aliás, vimos em Mt.13:16.
Em Mt.24:46, temos a única
bem-aventurança mencionada pelo Senhor Jesus no sermão escatológico na versão deste
evangelista. O Senhor Jesus disse que “bem-aventurado o servo que o Senhor
achar servindo assim”. Assim como? Explica-nos o versículo anterior: o servo
fiel e prudente, que o Senhor constituiu sobre a sua casa para dar sustento a
seu tempo.
É bem-aventurado o servo que
cumprir aquilo que o Senhor lhe confiou na obra de Deus, na igreja do Senhor.
Vemos que a bem-aventurança está vinculada a assumirmos a condição de servos do
Senhor e, portanto, de cumpri-Lhe a vontade, algo completamente oposto a que ensinam
os “teólogos da confissão positiva”. O Senhor nos manda fazer algo e temos de
ser fiéis e prudentes para cumprir, no tempo determinado, aquilo que nos foi
mandado fazer. Só estes servos fiéis e prudentes, bem-aventurados, serão
arrebatados pelo Senhor naquele dia. Tomemos cuidado, amados irmãos!
Ausente no Evangelho segundo
Marcos, a expressão “bem-aventurado” e seus cognatos somente aparecerá no
evangelho segundo Lucas, que, além do “sermão da planície” (Lc.6:17-49),
apresenta outras ocorrências da palavra.
A primeira ocorrência é em
Lc.1:45, quando a expressão é utilizada em relação a Maria, a mãe de Jesus.
Tomada pelo Espírito Santo, Isabel chama Maria de bem-aventurada porque ela
creu. Vemos, de pronto, que crer na Palavra de Deus, crer naquilo que Deus nos
revela é uma bem-aventurança.
Maria não foi chamada
“bem-aventurada” porque teria sido “concebida sem pecado” como defendem os
romanistas. Não, não e não! Maria é chamada bem-aventurada porque creu e, por
crer, deu o seu “sim” a Deus, permitindo, apesar de todos os tormentos que isto
representaria, que fosse concebido, ainda solteira, o Filho de Deus em seu
ventre. Nossa justificação vem pela fé em Cristo Jesus
(Rm.5:1).
A “bem-aventurança do crer”
implica em aceitar a vontade de Deus, apesar de todos os transtornos que isto
venha a criar no meio do mundo e da sociedade. Ser bem-aventurado é confiar em
Deus, como já se viu na análise das bem-aventuranças do Antigo Testamento
(apêndice 2). Estamos dispostos a confiar em Deus apesar de todas as adversidades
deste mundo? É por isso que, a partir de
Isabel, Maria é chamada por todos de “bem-aventurada” (Lc.1:48)!
A próxima ocorrência de
“bem-aventurado” em Lucas, fora o sermão da planície, é em Lc.7:23, quando
temos a reprodução do que já vimos em Mt.11:6, quando o Senhor encontra dois
discípulos de João Batista.
Em Lc.10:23, temos outra
reprodução do que já visto em Mt.13:16, quando o Senhor Jesus fala da
bem-aventurança dos Seus discípulos em querer saber o significado da parábola
do semeador.
Em Lc.11:27,28, após Jesus ter
falado a respeito da blasfêmia dos fariseus, uma mulher dentre a multidão
exclamou que “bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que
mamaste”, ao que Jesus respondeu que “antes bem-aventurados os que ouvem a Palavra
de Deus e a guardam”.
Neste episódio mencionado por
Lucas, temos uma demonstração de que Maria não era bem-aventurada por si só,
nem tampouco tinha uma posição distinta da dos demais seres humanos. Ao ser
chamada de bem-aventurada por sua condição maternal, por uma mulher da
multidão, imediatamente o Senhor Jesus fez questão de mostrar que a ascendência
biológica de Sua mãe não tinha qualquer papel no sentido espiritual. Pelo
contrário, o “parentesco espiritual” se dá apenas pelo ouvir e pelo guardar a
Palavra de Deus.
Neste trecho, que tem paralelos
em outras passagens do Evangelho em que Jesus insiste que Sua família é constituída
“pelos que ouvem a Palavra de Deus e a executam” (Mt.12:49,50; Mc.3:34,35;
Lc.8:21), mostra-nos que fazer parte da Igreja é ouvir e cumprir a Palavra de
Deus e isto é uma “bem-aventurança”.
Portanto, ao contrário do que
alegam os “pregoeiros da prosperidade”, ser “bem-aventurado” é “ouvir e cumprir
a Palavra de Deus” e não, como alguns dizem por aí, “fazer determinações” ou
“pronunciar palavras inspiradas” que vinculariam a Deus. Ser “bem-aventurado” é
fazer a vontade de Deus e não querer que Deus faça a nossa.
Em Lc.12:37,38, na parábola do
servo vigilante, o Senhor Jesus diz que “bem-aventurados os servos que, quando
o Senhor vier, achar vigiando”. Aqui, vemos que um dos segredos para se
alcançar a felicidade é estar vigilante, aguardando a volta do Senhor.
A “bem-aventurança” do crente não
está em passar uma vida regalada nesta vida, mas, bem ao contrário, em saber
que este mundo passa e que não é aqui o nosso descanso e que temos de estar
prontos pois, a qualquer instante, o Senhor Jesus pode voltar para arrebatar a
Sua Igreja ou, então, pode nos chamar para a eternidade. Como isto é diferente
das “pregações da prosperidade” que nunca lembram seu auditório de que Jesus
está próximo às portas…
A próxima bem-aventurança
registrada no evangelho segundo o médico amado é a “bem-aventurança dos que chamam os que não
tem como recompensar o que chama” (Lc.14:14). Aqui, aliás, temos uma
bem-aventurança completamente alheia ao pensamento da “teologia da
prosperidade”.
Ao contar a parábola dos
primeiros assentos e dos convidados, o Senhor Jesus disse aos Seus discípulos
que deveriam fazer o bem aos pobres, aleijados, mancos e cegos (Lc.14:13), ou
seja, a pessoas que, por suas condições, não têm qualquer condição de
recompensar o bem praticado. Quem fizer isto, diz o Senhor, será bem-aventurado
e recompensado “na ressurreição dos justos”. Jesus deixa aqui claro que não
existe qualquer “reciprocidade”, qualquer “toma-lá-dá-cá”. Quem fizer bem ao
próximo, é bem-aventurado e sua recompensa somente se dará no além, nunca nesta
Terra. Como isto é diferente do que falam os “pregoeiros da confissão
positiva”…
Por causa desta lição de Jesus,
alguém que estava com Ele assentado à mesa disse que “bem-aventurado o que
comesse pão no reino de Deus” (Lc.14:15), numa atitude que revelava a confiança
daquele conviva de que, por causa da profecia de Is.25, todo judeu tinha sua
salvação garantida, não precisando, por isso, atender ao que Jesus ensinara na
parábola.
Esta afirmação, porém, não foi
avalizada pelo Senhor Jesus que, em resposta a ela, contou a parábola da grande
ceia, mostrando que o sentido com que aquele homem havia proferido, ou seja, de
que bastava ser judeu para participar do banquete celestial, não era
verdadeiro, visto que os israelitas haveriam de rejeitar o Messias e a
oportunidade seria dada aos gentios.
Ao negar esta “bem-aventurança”,
o Senhor Jesus retira a possibilidade de presunção, de “determinações”, de
“direitos” no relacionamento do homem para com Deus. A “felicidade” não virá,
nem mesmo nos aspectos espirituais (o homem não falou de coisas desta vida, mas
do banquete celestial), por supostos “direitos” do homem em relação a Deus, mas
pela infinita graça e misericórdia de Deus em relação ao homem. Lembremos
disto!
OBS: “…Jesus
aproveitou a observação desse homem para dar a advertência, em forma de
parábola, de que nem todos entrariam no reino.” (BÍBLIA DE ESTUDO NVI, com.
Lc.14:16, p.1759).
A próxima ocorrência de
“bem-aventurado” é em Lc.23:29, quando Jesus, no caminho do Gólgota, em
resposta aos lamentos das mulheres que O acompanhavam com choros, disse-lhes
que não deveriam chorar por Ele, mas sim, por elas e pelos seus filhos, pois
viriam dias em que se diria que “bem-aventuradas as estéreis, e os ventres que
não geraram, e os peitos que não amamentaram” (Lc.23:29).
Jesus, nesta passagem, fala dos
dias difíceis que os judeus passariam na Grande Tribulação, onde a cruel
angústia e perseguição que sofrerão farão com que mudem o seu conceito a
respeito da bênção que é a mulher ter filhos e amamentar, pois as dificuldades
serão tantas que se lamentará o sofrimento atroz que sofrerão tanto as grávidas
quanto as que amamentarem naqueles dias (cfr. Mt.24:19).
OBS: Exemplo
recente disto tivemos nas enchentes que assolaram as Filipinas em dezembro de
2011, quando se noticiou que uma grávida, em fuga com seus filhos e seu marido,
acabou dando à luz no telhado de uma clínica, a mostrar como ficam difíceis
nestas situações a condição de grávida ou de quem amamenta (UOL Notícias. Bebê
nasce no telhado durante fuga de sua mãe das enches nas Filipinas. Disponível
em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2011/12/22/mulher-que-fugia-das-enchentes-nas-filipinas-da-a-luz-no-telhado.jhtm
Acesso em 22 dez. 2011).
No evangelho segundo João, temos
apenas duas ocorrências de “bem-aventurança”. A primeira, em Jo.13:17, quando o
Senhor Jesus chama de “bem-aventurados” os que “soubessem estas coisas e as
fizessem”. A que coisas o Senhor Jesus Se refere? À consciência de que Jesus,
sendo Senhor e Mestre, lavou os pés dos discípulos, dando exemplo de humildade
e serviço, exemplo que deveria ser seguido pelos Seus discípulos.
Então, devem os discípulos lavar
os pés uns dos outros para serem “bem-aventurados”? Sim e não. Como assim? Os
discípulos não precisam efetuar o “ritual do lavapés”, pois isto era um dado
cultural judaico, mas o exemplo deixado por Jesus de servir o próximo deve,
sim, ser seguido pelos Seus discípulos e, ao sermos humildes e serviçais,
seremos “bem-aventurados”. Como isto é diferente do que pregam os “teólogos da
prosperidade”, que, ao invés de servirem querem ser servidos por Deus…
Em Jo.20:29, Jesus, ao ter o
encontro com Tomé, disse a Seu discípulo que “bem-aventurados os que não viram
e creram”, indicando que crer em Jesus, sem O ver é uma “bem-aventurança”. Por
isso, não podemos querer “materializar a fé”, como fazem os “teólogos da
prosperidade”, com um sem-número de amuletos (meias, gaiolas, tijolos,
sabonetes, chaves e tantas outras invencionices).
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