Cícero Canuto de Lima: oposição ao ensino teológico
"Sentado em uma velha
poltrona, entregue a seus pensamentos". Assim descreveu a reportagem daFolha
de São Paulo o velho pioneiro e antigo pastor das Assembleias de Deus
no Brasil. Aos 89 anos de vida e 60 de ministério, Cícero ainda conservava
"o sotaque de sua terra e a marca de caráter de um homem que foi formado
na luta diária contra a terra árida e na formação mais rígida que as Igreja
Pentecostais já tiveram no Brasil". Reclamava dos rumos da igreja, do
sucessor e do seu esquecimento.
Esse relato sobre o
patriarca, é uma imagem que realmente a história oficial da denominação não
pretende divulgar. Assim como o mítico missionário sueco Daniel Berg, Cícero
foi relegado ao ostracismo após não fazer seu sucessor no ministério, e perder
seu poder e influência na denominação que ajudou a construir.
Mas quais seriam as
outras características da vida e ministério de Cícero Canuto de Lima? Somente
quem conviveu com o pioneiro poderia responder essas questões. José W. Bezerra
da Costa, em sua biografia escrita por Isael de Araújo cede algumas
informações, mas é a versão de José Wellington, ou seja, seu ponto de vista
acerca do velho pioneiro dentro do convívio ministerial. Porém, nesse reduzido
espaço se tentará oferecer um panorama desse ícone assembleiano.
Gedeon Alencar em
sua tese de doutorado e em tom crítico, destaca o fato de Cícero (assim como
Paulo Macalão) ter sido ainda muito jovem separado ao pastorado. Mas conforme o
tempo passou, o líder assembleiano não proporcionou oportunidades aos mais
jovens. Via com desconfiança qualquer novidade nos apriscos da AD, e relutava
contra as transformações em andamento na igreja.
Para se ter um exemplo disso, quando a implantação de institutos
bíblicos estava em andamento nas ADs, pastor Cícero de Lima fez questão de
entrevistar pessoalmente o pastor da igreja Filadélfia Willis Sawe e, nas
linhas do Mensageiro da Paz ( maio de 1967 p.4), refutar
o modelo de formação de obreiros que se pretendia implantar nas igrejas. Na
época, se usava o exemplo da igreja sueca, a qual teria uma escola de
preparação para obreiros chamada de Kaggeholm. A entrevista, é dirigida de
forma a esclarecer, que a famosa escola era na verdade uma instituição de
formação primária, e não um seminário teológico.
Tirada essa dúvida sobre a função da instituição, Cícero afirma que não
havia desprezo pela cultura em si, mas que numa escola teológica os obreiros
são "estampados", ou seja, ficam determinados a um "molde",
perdem sua "originalidade pessoal". Para ele era "mortalmente
perigoso um obreiro adquirir tanta eficiência, que perca a humildade e não
dependa de Deus". Salienta ainda que "não localizamos nas Escrituras
que nos dias apostólicos houvesse qualquer educandário que formasse pastores e
pregadores" pois na sua visão os obreiros deveriam confiar
"somente" e "inteiramente" na ajuda do Espírito Santo.
Quase 15 anos
depois dessa entrevista, o patriarca declara a Folha que: "O
Espírito de Deus se encarrega de nos iluminar, de nos orientar". Até o fim
da vida afirmou isso, pois segundo ele, seria melhor gastar dinheiro com a
evangelização do que na construção de seminários. Sabe-se que o IBAD foi
erguido e iniciado em Pindamonhangaba (SP) contra vontade geral da cúpula
assembleiana, e ainda por cima na jurisdição eclesiástica do Belém. Não foi
fácil o convívio dos fundadores do IBAD com Cícero de Lima, o qual representava
a oposição ao modelo de ensino teológico que se tentava implantar nas ADs no
Brasil.
Cícero até o fim da
vida foi fiel aos seus princípios. Mas percebeu que a igreja e o ministério, o
qual ajudou a construir tomavam um rumo diferente do que ele queria. Seu
ostracismo revelava que novos tempos estavam se impondo. José Wellington, em
sua biografia, ao narrar os lances da sucessão do seu antigo pastor, lembra uma
frase, a qual seria uma síntese do que Cícero de Lima vivia. Ao ver seu
indicado ser rejeitado no ministério do Belém para sucedê-lo, teria dito:
"Eu não estou mandando é mais nada. Vou embora". Por ironia do
destino, a escola teológica fundada no Ministério do Belém em SP, após sua
morte levou o seu nome.
Fontes:
ALENCAR, Gedeon
Freire de. Assembleias Brasileiras de Deus: Teorização, História e
Tipologia- 1911-2011. Pontifícia Universidade Católica: São Paulo.
ARAÚJO, Isael de. José
Wellington: biografia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.
Acervo.folha.com.br
MENSAGEIRO DA PAZ.
Rio de Janeiro: CPAD, maio de 1967.
Fonte de texto e foto: Memória das ADs.
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