A Meditação na Vida Cristã 2/4

No texto de I Tm.4:15, Paulo exorta seu filho na fé Timóteo a que “meditasse nestas coisas e se ocupasse nelas”. Que coisas? O exercício da piedade, a palavra, o trato, a caridade (i.e., o amor), o espírito, a fé, a pureza e a persistência em ler, exortar e ensinar (I Tm.4:12,13). Completando o pensamento, Paulo mostra que a meditação envolve o cuidado de si mesmo e da doutrina, a fim de que não só se alcance a própria salvação quanto a salvação dos que nos ouvem (I Tm.4:15,16).
Notamos, pois, que o apóstolo Paulo manda que Timóteo, a fim de que bem cumprisse o seu ministério, fosse cauteloso (e isto é mais um dos sentidos de “meletao”), buscando, a exemplo dos grandes oradores de seu tempo (e Timóteo era filho de grego e bem sabia do que Paulo estava a falar), fosse bem cuidadoso em suas palavras e em suas ações, sempre parando para refletir e bem ponderar como era sua conduta à luz da Palavra de Deus, da revelação do Evangelho.
Vemos, pois, que a meditação não se restringe a tão somente recitarmos, decorarmos ou ficarmos a pensar e refletir passagens bíblicas, mas também é uma atitude de interiorização, de reflexão, de autoexame que temos de fazer, desprendendo-nos de tudo quanto possa nos distrair para que, em silêncio, em reverência ao Senhor, escutamos, no fundo de nosso homem interior, a voz do Senhor, para que, deste modo, venhamos a avançar espiritualmente.
Afigura-nos, pois, exagerada a postura daqueles que, diante dos grandes equívocos que o assunto da meditação tem causado no meio cristão, buscam erradicar a meditação da vida cristã. Segundo este pensamento, “…Meditação Cristã verdadeira é um processo ativo de pensamento (pensando, resolvendo), pelo qual nos entregamos ao estudo da Palavra de Deus em oração e pedimos a Deus para nos dar entendimento através do Espírito. Ele habita no coração de todo crente e tem prometido nos guiar em ‘toda a verdade’ (João 16:13). Devemos então colocar o que aprendemos em prática, fazendo um compromisso com as Escrituras de que só elas serão a regra completa para as nossas vidas e para a prática das nossas atividades diárias. Isso causa crescimento espiritual e maturidade nas coisas de Deus à medida que somos ensinados pelo Espírito Santo.” (GOTQUESTIONS? ORG. O que é meditação cristã? Disponível em: http://www.gotquestions.org/portugues/meditacao-Crista.html Acesso em 21 out. 2010).
A meditação não se resume apenas ao estudo da Palavra de Deus e a oração para que o Espírito Santo nos esclareça o texto sagrado, embora também a envolva. A meditação vai além, na medida em que se trata de uma atitude de interiorização, de um silêncio de nosso homem interior, à luz da Palavra, para que possamos ouvir a voz do Senhor e, com isto, melhorarmos nossos caminhos.
Tanto é assim que, ao disciplinar a ceia do Senhor, o apóstolo Paulo foi claro ao dizer que, antes de participarmos do corpo e do sangue de Cristo, devemos fazer um exame introspectivo, a fim de avaliarmos se estamos, ou não, em comunhão com o Senhor e com a Sua Igreja (I Co.11:28). Este autoxame comporta uma meditação, uma ponderação, embora não seja só isto, já que o termo grego correspondente “dokimazo” (δοκιμάξω) envolve também a experiência e o julgamento.
A meditação cristã encontrou guarida nos movimentos monásticos que se iniciam no século II. O monge cartuxo Guigo II (?-1193) estabeleceu quatro estágios para a meditação, a saber:
a) a “lectio divina”, que é a leitura orante das Escrituras, a leitura devocional da Bíblia, início de toda meditação.
b) a “meditatio”, que é a reflexão, a ponderação, a análise do texto sagrado, em que se pede ao Espírito Santo a compreensão do significado e a aplicação do texto sagrado a nossas vidas.
c) a “oratio”, que é uma oração em que externamos nossos sentimentos diante da compreensão das Escrituras, pedindo ao Senhor que nos dê graças para agirmos conforme a Sua vontade, conforme o que foi ensinado na Palavra.
d) a “contemplatio”, que é a nossa entrega nas mãos do Senhor, amando-O de todo o nosso coração, nossa alma, nossa fé e nosso entendimento (Lc.10:27), instante em que, se o Senhor quiser, poderá fazer com que desfrutemos e experimentemos da Divindade de forma sobrenatural (a chamada “contemplação em sentido estrito”), o grau máximo da meditação.
A meditação cristã terá grande desenvolvimento entre os cristãos orientais, que se congregarão, após o Cisma do Oriente, na Igreja Ortodoxa. Lá, desenvolve-se toda uma prática meditativa que tem suporte num livro chamado “Filocalia” (em grego, “amor à beleza”), onde há a reunião de uma série de ensinos a respeito da meditação, baseada na chamada “oração de Jesus” ou “oração do coração”, uma frase repetida incessantemente durante a meditação: “Senhor Jesus, Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador”.
Entre os judeus, a meditação iniciou sua guarida a partir da reflexão e compreensão da chamada passagem da “Merkavah” (carruagem), as visões da glória de Deus descritas pelo profeta Ezequiel, a que teriam se dedicado os grandes nomes que compilaram a “lei oral” nos séculos I e II, logo após a destruição do templo pelos romanos.
Este estudo acabou criando a meditação mística, denominada de “hitbonenut”, esta, sim, que procurava a “contemplação das questões divinas”, que se distanciavam do texto bíblico. A “Cabala”, o misticismo judaico, desenvolverá, a partir do século XVIII, toda uma “doutrina da meditação”, em que se busca meditar sobre os Nomes Sagrados de Deus, sobre o alfabeto hebraico e que tem tido grande influência no mundo judaico da atualidade, sendo, também, um elemento explorado pela Nova Era.
Entre os muçulmanos, não é diferente. O Alcorão, certamente seguindo os passos de judeus e cristãos, põe a meditação com base no livro sagrado. “…’Eis o Livro que te revelamos, para que os sensatos recordem seus versículos e neles meditem.’(38ª Surata, versículo 29) Disse mais: ‘Não meditam, acaso, no Alcorão? Se fosse de outra origem que não de Deus, haveria nele muitas discrepâncias.’(4ª Surata, versículo 82) E disse ainda: ‘Não meditam, acaso, no Alcorão, ou é que seus corações são insensíveis?’(47ª Surata, versículo 24.). Sua explicação nada mais é do que o resultado de meditação e de deliberação…” (HAYEK, Samir El. Introdução ao Alcorão Sagrado. Disponível em: http://www.islam.com.br/quoran/introducao.htm Acesso em 22 out. 2010). Entre os islâmicos, uma corrente, chamada de “sufi” ou “sufista” foi a que mais se dedicou à meditação como forma de expressão da espiritualidade, prática que é chamada de “dhikr”, reportando-se à própria vida ascética de Maomé que teria recebido a revelação do Alcorão num de seus períodos de jejum e de meditação.
Vemos, pois, claramente que, conquanto seja atitude recomendada pela Palavra de Deus e que se apresenta como importante elemento da vida espiritual, cedo a meditação foi, como tudo que diz respeito a Deus, misturada com conceitos antibíblicos, com o fim de desviar a espiritualidade do gênero humano, desvios estes que encontraram guarida dentro da Igreja e que pululam e dominam esta prática nas falsas religiões.
Olá, o texto nos traz uma reflexão muito enriquecedora, um abraço.
ResponderExcluirQuerida, Néia.
ResponderExcluirObrigado por suas visitas e comentário. Um abraço, continue nos acompanhando.