O Problema do Mal na História das Ideias 2/2
Por Caramuru A. Francisco
QUINTAS, Jaime. O problema do mal. http://www.google.com/search?q=
cache:hX8JJ1GR_awJ:www.criticanarede.com/fil_mal.html+problema+do+mal&hl=pt-BR&ie=UTF-8.
Acesso em 16 out.2003.
III - As correntes de pensamento
no tratamento do problema do mal: o monismo e as respostas ateístas e similares
O dualismo é a resposta mais
imediata que se pode ter diante do problema do mal. Ao ver que, no mundo,
existem tanto o bem quanto o mal, é até claro entender-se que bem e mal são
forças existentes desde sempre no universo e que deverão assim existir ou, como
defende a maior parte dos dualistas, uma das forças triunfará no término da
história ou acabará havendo uma conciliação entre elas, com grandes e radicais
transformações na ordem do universo. Entretanto, quando se pensa sob a
perspectiva do dualismo, chega-se, também, a uma inevitável conclusão: Deus, se
for considerado como a fonte do bem, não seria um ser onipotente, muito menos
onipresente. Se temos duas forças contrárias, que se digladiam no universo,
elas são da mesma natureza e grandeza, tanto assim que os zoroastristas, embora
defendam a superioridade de Ahura Mazda em relação a Ahriman, não deixam de
reconhecer nestas duas figuras dois deuses, exatamente porque, ao considerarem
que há dois princípios, não podem reconhecer exista um único Deus. É,
precisamente, esta a grande e insuperável dificuldade com que se enfrentarão os
pensadores monoteístas ao analisarem o problema do mal, notadamente a partir do
contacto do pensamento religioso judaico seja com o zoroastrismo, seja com a
filosofia grega, a partir do domínio persa e helenístico, ou seja, depois do
cativeiro babilônico e da própria conclusão da produção das Escrituras
hebraicas. Se o mal existe, então Deus não seria o Ser perfeito, onipotente,
onipresente que é revelado nas Escrituras ? Como conciliar a existência do mal
com o caráter absoluto da divindade, que é solenemente proclamado na introdução
aos dez mandamentos (cfr.Dt.6:4) ? A propósito, conhecida é a afirmação do
filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.),
que, apesar de materialista e ateu, como ninguém sintetizou a perplexidade que
movimenta a mente dos pensadores monoteístas a respeito, que vale a pena
transcrever : " Ou Deus deseja remover o mal deste mundo, mas não pode
fazê-lo; ou Ele pode fazê-lo, mas não o quer; ou não tem nem a capacidade e nem
a vontade de fazê-lo; ou, finalmente, ele tem tanto a capacidade como a vontade
de fazê-lo. Ora, se Ele tem a vontade, mas não a capacidade de fazê-lo, então
isso mostra fraqueza, o que é contrário à natureza de Deus. Se ele tem a
capacidade, mas não a vontade de fazê-lo, então Deus é mau, e isso não é menos
contrário à natureza. Se Ele não tem nem a capacidade, nem a vontade de
fazê-lo, então Deus é ao mesmo tempo impotente e mau e, conseqüentemente, não
pode ser Deus. Mas se ele tem tanto a capacidade como a vontade de remover o
mal do mundo (a única posição coerente com a natureza de Deus), de onde procede
o mal (unde malum ?), e por que Deus não o impede ? " (apud R.N. CHAMPLIN,
op.cit., v.5, p.407).
Eis a questão que irá incomodar
os filósofos e teólogos a partir do século II a.C. e, num certo sentido, até os
dias de hoje. Não houve quem, precipitadamente, diante deste aparente paradoxo,
não tenha preferido ver aí uma prova da inexistência de Deus. Assim, diante da
constatação de que o mal existe, preferiram estes pensadores afirmar que,
diante da existência do mal, Deus não existe. Segundo estes pensadores, pois,
não há que se falar em bem ou mal, porquanto tais conceitos não passariam de
invenções mentais, não havendo, assim, nem bem, nem mal no universo. Um dos
principais defensores deste pensamento foi o filósofo alemão Friedrich
Nietzsche (1844-1900), para o qual " bem ou mal, noções imutáveis, não
existem", já que o mal seria apenas a " afirmação da vida", que
teria sempre sido negada e sufocada na sociedade humana, mormente pelos valores
adotados pelo Cristianismo. Para quem, como Nietzsche, " Deus havia
morrido", nada mais natural que entender que bem ou mal não existiriam e
que se deveria buscar um sistema ético que estivesse " para além do bem e
do mal", como diz o título de um de seus livros. Este pensamento (que,
aliás, tem sido acolhido e entusiasticamente defendido por alguns nos nossos
dias) não resolve o problema, mas, antes, representa uma fuga dele, já que,
sendo ou não "afirmação da vida", o fato é que o mal existe e
precisamos dar conta de sua origem.
Alguns outros, embora não tenham
chegado à afirmação de que Deus não existe, assumiram uma posição muito
similar, preferindo dizer que o mundo não é uma ordem, mas fruto do acaso e da
probabilidade, de forma que o bem e o mal são resultados acidentais do
anárquico movimento das forças cósmicas. Um pensamento desta natureza,
denominado pelos estudiosos de "tiquismo" (do grego "tyche",
chance, aposta) , não deixa de ser uma variante da corrente de pensamento
atéia, porquanto, ao se negar a existência de uma ordem no mundo, está-se, em
outras palavras, negando-se a existência de Deus, ou, pelo menos, dizendo-se
que Deus não é onipotente, já que não é capaz de estabelecer uma ordem na
criação. Há aqueles, ainda que, embora não questionem a existência de Deus, entendem ser impossível dizer se
Ele é bom ou não. Indignado e revoltado com o terremoto que destruiu Lisboa em
1º de novembro de 1775, o filósofo francês Voltaire (1694-1778) preferiu
afirmar que Deus era um ser existente mas absolutamente indiferente diante de
tudo, de forma que não se poderia afirmar se Deus era bom ou mau, de tal
maneira que o problema do mal deveria ser considerado uma questão insolúvel e
que deveria ser deixada de lado. Tal postura não deixa, também, de ser uma fuga
do problema e que, como já dissera Epicuro, não consegue explicar como
admitir-se a existência de um Deus que não seja o Sumo Bem. Do mesmo defeito é
a posição que foi tomada pelo filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860),
segundo o qual Deus não seria um ser benévolo, de forma que a existência do mal
pode ser resultado até do próprio exercício da vontade divina, uma vez que Deus
não estaria vinculado ao bem. Aqui, também, não explica o filósofo como pode
haver um Deus que não seja bom.
IV - As correntes de pensamento
no tratamento do problema do mal: o monismo e as respostas monoteístas
Visto as respostas que foram
dadas pelos pensadores que não se vinculam ao pensamento monoteísta, vejamos
como o problema do mal foi enfrentado por parte dos pensadores que não negaram
sua fé e procuraram, de uma forma racional, superar este intrincado problema. O
primeiro teólogo cristão que buscou sistematizar a sua produção foi Orígenes de
Alexandria (185-255), cujo conhecimento da filosofia grega permitiu-lhe
construir uma obra em que buscava, ao mesmo tempo, explicar as Escrituras e
defender a fé cristã das críticas duras que os filósofos começavam a fazer. Ao
tratar do problema do mal, Orígenes tinha em mente, principalmente, combater os
gnósticos e seu dualismo. Orígenes vê a solução do problema do mal no
livre-arbítrio que Deus concedeu ao homem na criação. Empenha-se, portanto, em
provar que o livre-arbítrio existe e foi criado por Deus, a fim de demonstrar
que, diante da liberdade que foi dada tanto ao homem quanto aos seres
angelicais, puderam estes seres distanciar-se ou aproximar-se de Deus. O mal,
portanto, nada mais seria do que o abandono ou a perda da bondade: "…O mal
é a privação ou ausência da bondade; é um não-ser, e como tal, é o oposto do
ser e do bem. Na proporção em que o homem se aparta do bem, ele perde sua
perfeição e cresce no mal." (apud Philotheus BOEHNER e Etienne GILSON. História da filosofia cristã, p.68)
Considerar o mal como um não-ser,
apenas como um distanciamento operado pela vontade entre Deus e os seres
criados dotados de livre-arbítrio será a primeira solução que se dará para o
problema do mal, portanto. Esta solução resolve, a um só tempo, vários aspectos
do problema do mal. Senão vejamos.
Quando dizemos que o mal é um
não-ser, ou seja, algo que não existe, não mais precisamos explicar como Deus,
que, por definição, é o Criador de todas as coisas, poderia ter criado, a um só
tempo, criou o mal, pois o mal é algo que não existe e, portanto, não foi
criado.
Quando dizemos que o mal é um
não-ser, também não precisamos explicar como Deus, sendo um ser infinitamente
bom, poderia ter criado o mal, o que O tornaria um ser contraditório. Como o
mal não é, ou seja, não existe, não faz parte daquilo que não foi criado.
Por fim, quando dizemos que o mal
é um não-ser, é apenas a perda ou abandono da bondade, conseguimos explicar
como ele surgiu, apesar de Deus ser o Sumo Bem, bem como entendemos porque o
bem, apesar da presença do mal, não deixa de ser soberano. Daí, ao explicarmos
o problema do mal, também acabamos por compreender que haverá um tempo em que
este distanciamento se desfará, em que haverá uma restauração universal,
"quando Deus for tudo em todas as coisas, já não haverá lugar para o
mal" (apud op.cit., p.74). Diante de tamanha força, a solução dada por
Orígenes influenciará decididamente todos os pensadores que se seguirão na filosofia
e teologia cristãs, com algumas nuanças.
Gregório de Nissa (335-394), ao
tratar do tema do problema do mal, adota a postura de Orígenes, considerando o
mal como um não-ser. Para este pensador, o pecado é a inexistência de algo que
deveria existir, ou seja, o ser humano, criatura que é de Deus, deveria, ao
receber o livre-arbítrio, decidir-se por obedecer a Deus, mas não o fez, de
modo que o mal surge, exatamente, do fato de não existir uma decisão por Deus
que deveria ter existido. O pecado, assim, diz Gregório, " não é nada de
positivo, nada de criado por Deus, mas, sim, algo de privativo, uma carência,
um verdadeiro nada." (op.cit., p.102).
Dionísio Pseudo-areopagita (séc.
V ou VI) explicita, como ninguém, o pensamento de Orígenes: "… Donde se
origina, então o mal, uma vez que é impossível negar-se-lhe a existência
manifesta ?". O mal, enquanto tal, não tem ser; tampouco ocupa um lugar
nas coisas onde existe. De forma que o mal não se encontra nem nos anjos, nem
nos demônios; não está na alma, nem nos animais, nem na natureza, nem nos
corpos; não se encontra nem mesmo na matéria.(…). Em suma, o mal é uma fraqueza
e uma omissão do bem." (op.cit., p.119). Agostinho de Hipona (354-430), o
grande sistematizador da filosofia e da teologia cristã dos três primeiros
séculos e cuja influência se faz sentir até o presente no pensamento da
Cristandade, também neste tema teria uma importância fundamental. Agostinho
conta, em seu livro Confissões, onde narra toda a sua trajetória até sua
conversão ao Cristianismo, que teve de enfrentar o problema do mal quando já
estava às portas da conversão. Já tendo sido evangelizado por Ambrósio, bispo
de Milão, Agostinho se debatia com o questionamento a respeito do mal:
".se todas as coisas foram criadas pela bondade divina, que as penetra da
maneira acima descrita, elas devem ser boas em sua totalidade. E assim parece
não haver lugar para o mal. Entretanto, é inegável a existência do mal físico e
moral; o mal não pode ser um puro nada, visto ser objeto de temor e causa dos
sofrimentos. Por outro lado, ele não pode ter a Deus por autor. Que é, pois, o
mal ? " (Confissões, VII, 5,7
apud op. cit., p.145). Agostinho, porém, ao se debruçar sobre este
questionamento, percebe que, na verdade, a resposta de Orígenes não poderia ser
descartada. Agostinho percebe que o fato de haver sofrimentos e temor no mundo
não é resultado do mal, mas, antes, do fato de que todas as coisas devem sua
existência a Deus e que, portanto, o fato de haver imperfeições e de as coisas
deixarem de existir é fruto desta situação, pois somente Deus não tem princípio
nem fim. Agostinho, também, percebeu que todas as coisas que existem são boas,
porque têm sua fonte em Deus e que, portanto, o mal não pode ser senão uma
lacuna, um defeito, uma ausência de algo que deveria estar presente. Assim,
Agostinho acaba por concordar com Orígenes e a enxergar que o temor e o
sofrimento existentes no mundo não decorrem do mal, mas, antes, é conseqüência
da imperfeição das criaturas. Deste modo, o posicionamento de Orígenes é
confirmado pelo grande filósofo e teólogo, que, além do mais, lança por terra a
objeção de que a solução seria contrária à evidência dos fatos e à realidade do
sofrimento existente no mundo.
Depois de Agostinho, quem
dissertará longamente sobre o tema será Tomás de Aquino (1224/1225-1274), o
grande sistematizador da filosofia cristã na Idade Média, para quem "…a
essência do mal consiste na deficiência de um determinado grau de perfeição e,
por conseguinte, na privação de um determinado bem. De sorte que a mesma
existência de seres transitórios implica a existência do mal.…" (apud
op.cit., p.466). Assim, ainda que mantenha o posicionamento cristão já clássico
e tradicional, de considerar o mal como um não-ser, o Tomás de Aquino vai mais
além, ao afirmar que o mal chega, mesmo, a ser uma necessidade, na medida em
que existem seres imperfeitos. Para o Aquinate, portanto, onde há imperfeição,
há mal e, por ser o homem um ser imperfeito, a existência do mal é uma
inevitabilidade. Tal entendimento é decorrência da influência do pensamento do
filósofo e teólogo judeu espanhol Maimônides(1135-1204) sobre a obra de Tomás
de Aquino. Maimônides, em seu livro " Guia dos Perplexos" defendeu a tese de que o mal pode ser
explicado ora pela limitação necessariamente inerente à criatura, ora pelas
desordens provocadas pelas próprias criaturas no exercício da sua liberdade.
Maimônides será o grande filósofo judeu da Idade Média e é a demonstração de
que o problema do mal não apenas incomodou os cristãos, mas todos os
monoteístas. Pensando desta maneira, Tomás de Aquino acaba por nos trazer a
noção do "substrato positivo do mal".
Para o teólogo-filósofo oficial da Igreja Romana,embora o mal seja um
não ser, o fato é que o mal tem um substrato, ou seja, para que possamos dizer
o que é o mal, temos de dizer que ele não é uma substância, que ele não é algo
que existe.
Ora, se o mal só pode ser definido e conhecido através do ser,
temos que a própria definição do bem exige que nós saibamos o que é o bem, ou
seja, o mal é somente concebível a partir do bem, daí porque dizermos que o
substrato do mal é o bem. Entretanto, diz Tomás de Aquino, o bem não é a causa
do mal, é apenas concebível a partir da noção do mal, de forma que Deus não é
nem pode ser a causa do mal, pois Deus só causa o ser e tudo o que é, como
dizem as Escrituras, é bom (cfr. Gn.1:31). René Descartes (1596-1650), filósofo
francês considerado como um dos iniciadores do racionalismo e um dos principais
responsáveis pela superação da filosofia medieval, também enfrentou o problema
do mal em sua obra. Para Descartes, o problema do mal estaria no fato de que a
vontade do homem é livre e, como tal, como é da natureza das coisas finitas,
como o homem, errarem, o erro advém naturalmente ao homem, de forma que daí
exsurge o mal, que nada mais é que o erro. O erro, diz Descartes, implica em
sofrimento e, por isso, teríamos a presença do sofrimento apesar de o erro ser,
a rigor, um não-ser, vez que não proveniente de Deus, que é, por definição,
perfeito e bom. Deste modo, mais uma vez, a exemplo do que fizera Agostinho,
busca-se explicar porque, apesar de ser um nada, o mal consegue causar tantos
males e sofrimentos neste mundo em que vivemos. Foi, precisamente, para fugir a
esta crítica que sempre permeou a solução cristã para o problema do mal, qual
seja, a constatação de que, embora seja um não-ser, o mal traz efeitos e
conseqüências sentidas por todos os homens, o que não parece apropriado para
algo que é dito não existir, que o filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz
(1646-1716) apresentou a sua tese do " melhor de todos os mundos
possíveis".
Para Leibniz, somente Deus é
perfeito e, portanto, todos os demais seres são imperfeitos. Desta imperfeição,
surgem as circunstâncias adversas, que nada mais são que o mal, que é, como já
dissera Tomás de Aquino, uma necessidade, já que o mal deve ser considerado
como uma programação estabelecida por Deus. Com efeito, estas imperfeições
existem exatamente para que sejam entendidas em toda a sua excelência as
perfeições, ou seja, pelo contraste entre as adversidades, entre os males e os
bens, pela comparação entre a existência e a falta de existência, é que
compreenderemos o que é o bem e como devemos enaltecê-lo e reconhecer nele a perfeição
divina. Por isso, o mal, numa perspectiva da própria criação, é um bem, na
medida em que, somente através do mal é que poderemos vislumbrar o bem enquanto
tal. Deste modo, o universo em que vivemos é o melhor de todos os mundos
possíveis, uma vez que foi feito de tal maneira que possamos contemplar a
perfeição divina. Dizer, portanto, que o sofrimento, que os efeitos causados
pelo mal no mundo são uma demonstração de que o mal não é uma ilusão, como diz
a solução monoteísta, não parece ser uma correta afirmação, pois são estes
sofrimentos e conseqüências funestas que nos permitem perceber o que é o bem e,
como tal, tomar consciência de que estamos no melhor dos mundos possíveis.
Para o teólogo norte-americano
radicado no Brasil, R.N. Champlin, exatamente por não poder enfrentar a
contento a objeção de que o mundo está repleto de sofrimento e de efeitos
causados pelo mal, a solução que aqui estamos chamando de monoteísta,
"…não pode explicar muitas de suas formas [do mal]; e nem as mentes não-filosóficas,
ou mesmo filosóficas, se satisfazem inteiramente com esta explanação. Após
exame, tudo se reduz a um ponto de vista ' simplório' sobre a existência do mal(…) uma posição
criada para aliviar Deus de haver criado ou de estar permitindo o mal(…).
Eliminar a existência do mal deste mundo, mediante alguma explicação
racionalizadora, não dá solução ao
problema, mas tão-somente oculta cruamente o mesmo, não passando tudo de um
truque filosófico." (R.N. CHAMPLIN. Problema do mal. In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia,
v.5, p.408-9). Entretanto, esta crítica parece não levar em conta a postura de
Leibniz e que, ao nosso ver, parece ter bem respondido a esta objeção. Dizer
que o mundo está repleto de sofrimento e de efeitos causados pelo mal e que,
por isso, não se pode acolher a idéia de que o mal seja uma ilusão, como bem
argumentou Leibniz, é considerar que possa existir um mundo melhor do que este.
É este, aliás, o argumento apresentado por Jaime Quintas em seu artigo "O
problema do mal" , onde, textualmente, assim afirma o filósofo português:
"… Quando afirmamos que a quantidade de mal existente no mundo é
incompatível com a existência de Deus estamos a afirmar duas coisas
simultaneamente: 1) Há demasiado mal no mundo; 2) É possível a existência de um
mundo melhor. Caso 2 seja falsa, Deus, mesmo sendo omnipotente, terá criado o
melhor dos mundos, pelo que o argumento do mal perde a sua força.…"
(O problema do mal. google.com/search?q=cache:hX8JJ1GR_awJcriticanarede.com/fil_mal.html Acesso em 16
out.2003).
Ora, como bem observou o filósofo
Quintas, uma coisa é dizermos que entendemos, sob o nosso ponto-de-vista, que o
mundo existente possa ser melhor; outra é a constatação de que sempre acharemos
que o mundo onde estamos, que sempre será imperfeito, pode melhorar. Nas
palavras de Quintas: "… a existência de um mundo considerado bom pelos
seus habitantes é logicamente impossível, pelo que um mundo considerado mau
pelos seus habitantes não se torna incompatível com Deus. O nosso mundo é
considerado mau pelos seus habitantes; mas daí não se segue que é incompatível
com Deus.…" (op.cit). Vemos, portanto, que a crítica apresentada à solução
monoteísta não se sustenta, uma vez que não é pela simples impressão que se
tenha do mundo que poderemos concluir que o mal seja algo existente e que
desafie a própria existência de Deus tal como a concebe um monoteísta.
Mas não bastasse isso, também não
deixamos de ter de considerar que cabe à filosofia tentar refletir sobre o
problema do mal e, à luz da razão, explicá-lo de forma convincente e lógica e
não trazer soluções para que o mal seja eliminado do mundo. A solução
monoteísta, que tem suas raízes em Orígenes, dá bem conta das objeções
apresentadas por Epicuro e que se apresentavam como desafiadoras para quem
tinha uma fé monoteísta, como os judeus e, posteriormente, os cristãos e os
muçulmanos.
À evidência que a explicação
fornecida não elimina o mal nem suas conseqüências, até porque não é tarefa da
filosofia esta eliminação. Desta maneira, exigir-se do filósofo ou do teólogo
que seja dada uma solução a este problema, em termos concretos, é algo que não
nos parece razoável. Ademais, se se fosse perguntar a qualquer destes
pensadores qual seria a solução para o mal, certamente que apresentariam a sua
fé, pois o mal só poderá ser solucionado, segundo este grupo de pensadores, se
a pessoa aceitar, por fé, a crença que professam.
BIBLIOGRAFIA
AUSUBEL, Nathan. Conhecimento Judaico. Trad. de Eva Schechtman Jurkiewicz. In:
A.
KOOGAN (ed.). JUDAICA. Rio de Janeiro: Koogan, 1989. v.5 e 6. 915p.
BOEHNER, Philotheus e GILSON,
Etienne. História da filosofia cristã:
desde as origens
até Nicolau de Cusa. 3.ed. Trad. de
Raimundo Vier, O.F.M. Petrópolis: Vozes, 1985.
582p.
CHAMPLIN, Russel N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia.
São Paulo: Hagnos,
2001, 6v.
JAPIASSU, Hilton e MARCONDES,
Danilo. Dicionário básico de filosofia.
Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1989. 265p.
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