O Homem Que se Descobriu Luva

Por Francikley Vito

Aquele seria um dia de trabalho como outro qualquer para Teófilo. Mas não foi. Como era o seu costume, acordou cedo, se arrumou e foi ao ponto para esperar o ônibus; que religiosamente passava por ali às 5h47. Ao entrar não notou nada de estranho. Olhou rapidamente para os acentos na esperança de haver algum vazio. Não encontrou. Tentando se equilibrar, dava olhadelas para os homens e mulheres que esforçavam-se para dormir, sem sucesso. Derrepente uma cena lhe fez arquear as sobrancelhas. Um jovem lia atentamente um livro. Esticou o pescoço para visualizar a capa. Leu. “A Mão e a Luva”. Disfarçou para que nenhum outro passageiro notasse seu repentino interesse. A Mão e a Luva, resmungou de si consigo. Assim foi todo o resto do caminho.

- A Mão e a Luva!

Depois de tomar o café da manhã na fábrica onde trabalhava, foi em passadas lentas para o setor onde desenvolvia as suas funções de operador de máquina. Olhava pensativamente para os pés lentos e pensava, como que se esforçando para fazer uma grande descoberta, - a mão e a luva. Terminou os deveres daquele dia de trabalho sem surpresas; a não ser aquela que desde a manhã mudara o rumo de seus poucos e tímidos pensamentos. Passou todo dia repetindo o que havia lido na capa do livro de um jovem sem nome e sem face. “A Mão e a Luva”! A Mão e a Luva! A mão e a luva! No caminho de volta para casa tentou um pensamento novo.

– A mão e a luva, uma foi feita para a outra; uma por causa do outra!

Sentiu uma satisfação de um garimpeiro que descobre a maior pedra de sua vida. A pedra que mudaria seu destino. Repetiu sua tese: Um por causa do outro. No fundo não sabia o que aquilo significava; mas, alegrava-se pelo fato de poder pensar em alguma coisa que fazia dele um amante do saber, um filósofo, um poeta. Um pensador das coisas da vida. Pelo menos era esse o motivo do seu contentamento. Um contentamento quase infantil.

Ao chegar em casa, entrou porta adentro ainda pensativo. Sua esposa, ao ver nos olhos do marido tamanha perturbação, tratou de colocar a comida no prato o mais rápido que pode. Não sabia o que aquele olhar significava, aprendeu com o passar dos anos a interpretar as expressões do marido. Mas aquela expressão lhe parecia nova, desconhecida. Enquanto comia, Téo mastigava devagar para sentir o sabor do velho tempero. Com um olhar perdido na alegria da descoberta, ouvia o badalar de uma frase que a muito lhe despertara:

- A mão e a luva, uma foi feita para a outra. Uma comanda a outra!

Depois de jantar olhou para a esposa e anunciou com a solenidade necessária para o momento: Amanhã vou a um lugar que vende livros! Surpresa com a notícia, a mulher nada disse. Apenas acenou com a cabeça positivamente. Amanhã vou a um lugar que vende livros, repetiu ao levantar-se. A noite passou lentamente.

No dia seguinte acordou cedo. Chegou à livraria quando os funcionários se preparavam para abria as portas. Entrou. Não sabendo muito bem o como fazer, recebeu o vendedor com certa desconfiança.
- Quero ver um livro, falou.

O vendedor vendo o seu acanhamento, pediu para que lhe dissesse o nome do livro para que pudesse trazê-lo. Com a mesma satisfação que experimentara no caminho para casa quando da sua descoberta filosófica, exclamou:

- “A Mão e a Luva”.

Ao pegar o livro que trazia na capa o refrão que há muito repetia como uma cantiga teimosa; sentiu sua textura, experimentou o seu cheiro, abriu suas páginas e por fim perguntou:

- Eu sou mão, ou sou luva?!

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