Sobre a Importância de Perdoar
Por
Abrão Slavutsky
O perdão não é
diretamente um tema psicanalítico, a não ser pelas suas relações com a
melancolia, o supereu, a culpa, a questão do nome do Pai, entre outros. Seria
conveniente pensar, primeiramente, o perdão a si próprio quanto a falhas e
fracassos que todos temos [...] O perdão de Deus aos homens, ou a capacidade de
perdoar ao outro, é essencial na fé. O famoso Pai-Nosso, talvez a oração mais
importante do cristianismo, que teria sido ensinada pelo próprio Jesus Cristo,
considera o perdão como um meio de estabelecer a relação entre Deus e os
homens. “Perdoa nossas ofensas como nós perdoamos aos que nos ofendem”. Já no
Velho Testamento, o tema do perdão está presente em Levítico, 16, quando Moisés
determina um dia especial para a purificação dos pecados, conhecido como Yom
Kippur, Dia do Perdão.
Por sua vez, a questão
essencial do mal é pensada pela religião como uma questão externa. A serpente
induz Eva ao mal e ao pecado e segue, por exemplo, na bela parábola do joio e
do trigo do Novo Testamento. O mal como vindo do inimigo, do exterior, quando,
na verdade, o mal é externo e interno, integra a condição humana. Enfim, as
palavras perdão, fé e mal se relacionam com a religião, a justiça, e com o
conjunto da sociedade. Porque o perdão é derivado da justiça divina ou humana,
mas perdão nunca exclui a justiça. Por outro lado, a justiça que não considera
a possibilidade do perdão é injusta e má.
[Sobre as vantagens do
perdão] começo pela palavra liberdade, mas aqui não tanto à questão das
liberdades em geral, na política ou religiosa (vejam a questão do cruxifixo no
judiciário, tão debatido hoje na mídia). Aqui me refiro à liberdade psicológica
que gera uma leveza na arte de viver e que faz toda a diferença. Quem não pode
se perdoar e perdoar as injustiças cometidas ou sofridas fica ressentido,
magoado, preso a um passado que não passa. O ressentido se torna guarda de um
cemitério de ações passadas que não pode superar, logo, fica preso. Forças
libidinais se mantêm absorvidas pelo passado, e o presente fica empobrecido.
Livrar-se do peso das traições é um alívio, é recuperar a condição de voar e
criar, de não se adaptar à vida como ela é. Pelo contrário, é transformar, é
transcender. Parêntesis – a cultura oriental tem no tema de transcendência uma
saída à realidade traumática. Quem não perdoa, não transcende, está apegado ao
trauma psíquico do passado. Finalmente uma palavra sobre a honra: Samuel
Johnson , no seu dicionário famoso do século XVIII, definia honra como “nobreza
de alma e um desprezo à maldade”. Logo, sejamos honrados!
[Anteriormente] fiz
referência ao Yom Kippur, Dia do Perdão, data mais importante da religião
judaica, do povo judeu. Desde criança, sei que esse dia é o mais importante do
ano, dia que se vai à sinagoga, dia sagrado, dia do jejum. No décimo dia do Ano
Novo, no início de um novo ciclo, se deve perdoar e obter perdão, nos pecados
contra o Todo Poderoso, não assim contra o semelhante. Recordo que o dia está
vinculado à quebra das tábuas da lei por Moisés ao ver o bezerro de ouro feito
pelo seu povo. A história pode ser recordada no livro do Êxodo, em que Moisés
pede novas tábuas a Deus e pede perdão pela sua impulsividade. Tendo recebido o
perdão divino, decide instituir aquele dia como o Dia do Perdão, com a promessa
de não mais cometer as transgressões. Assim buscar-se-ia a purificação para o
Novo Ano. Essa noção de perdão é um importante valor humano, uma das raízes das
quais nasceu o cristianismo. Em alguma medida, afirma-se que Cristo – que nasceu
judeu e morreu judeu – teria dado ao perdão e ao amor um status mais elevado
que o judaísmo. “Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a
outra” (Mateus, 5:39) é uma frase muito conhecida, mas tem uma conotação talvez
masoquista. Aliás, como em todas as frases bíblicas, é passível dar as mais
variadas interpretações. Por exemplo, um doutor em teologia me contou que há
estudos relacionando a formação de Jesus aos ensinamentos de Hilel, o sábios
dos sábios, uma das maiores referências do Talmud , obra basilar do judaísmo.
Hilel disse: “Não faças ao outro o que não queres que façam a ti”, como a
essência do judaísmo, e essa frase teria marcado o poder do amor em Jesus e no
cristianismo.
Esse tema das relações
entre judaísmo e cristianismo, culturas-chave na formação do mundo ocidental,
juntamente com a velha Grécia, é fascinante e interminável. Nos últimos anos,
agradeço aos amigos cristãos que foram me introduzindo ao Novo Testamento. E se
diz que Sêneca introduziu o perdão na esfera do Estado, por influência do
cristianismo. Em sua obra sobre a clemência, afirma que o perdão é a principal
arma do governante para ser justo e firme como estadista. O paradoxo é que ele
terminou a vida como vítima de Nero, que, desconfiado de sua traição, obrigou-o
a se matar.
Com o perdão a pessoa
doa a si e ao outro o que tem de melhor: compaixão e esperança. O perdão ajuda
a aliviar o peso da existência, na instigante relação entre o peso e a leveza,
que o escritor Italo Calvino estabeleceu na primeira conferência do seu
livro Seis propostas para o novo milênio. Afirma que é preciso diminuir o peso
das palavras, bem como o peso de como se vê o mundo. Muitas vezes, a religião,
a filosofia, a psicanálise, a mídia têm uma atração pelo peso, pelos argumentos
de peso. É uma visão mais dramática do que bem-humorada. É possível aceitar que
a condição humana tem uma tendência maior ao peso, à dor e ao sofrimento, até
como expressão de nosso masoquismo. Felizmente, podemos pensar que a leveza é
tão ou mais séria quanto o peso, pois, para chegar à quintessência da vida,
convém pensar o que disse Millôr Fernandes . Ele propõe que o humor é a
quintessência da seriedade. Quando se pode ultrapassar a seriedade, chega-se à
verdadeira essência. Enfim, em tempos em que se lê e se fala tanto em diminuir
o peso corporal, quem sabe possamos acrescentar também uma maior leveza de ser.
Se nos perdoamos, se podemos perdoar o outro, viveríamos com mais leveza e bem
estar.
Nota/Fonte:
Essa
é uma adaptação de uma entrevista concedida pelo autor a revista IHU.
Disponível em
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4338&secao=388
Estive a ver algumas coisas em seu blog gostei do que li e vi. E desejo deixar um convite, tenho um blog com o nome de Peregrino e Servo. Meu nome é Antonio Batalha sou portugues. Se desejar fazer parte, eu ficaria radiante em que fizesse parte dos meus amigos virtuais, isto é, não quero que se sinta coagido a faze-lo mas apenas se deseja. Se achar que não merece a pena fico-lhe grato na mesma. Decerto irei retribuir seguindo o seu blog também. Um obrigado.
ResponderExcluirAntônio, a Paz de Cristo. Certamente iremos atender ao seu convite. Obrigado pela visita. Abraço.
ResponderExcluirAPAZ DE CRISTO MESTRE, COMO ESTAR ?
ResponderExcluirEU ESTOU SEMPRE LENDO SUAS PUBLICAÇOES
QUANDO SERA O SEMINARIO? DE ESCATOLOGIA?
José Raimundo, a Paz de Cristo. Obrigado pelos seus comentários e leitura constante do nosso blog. Abraço.
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