Direito, Literatura e História
Por Marcus Boeira
Ultimamente, inúmeros juristas
têm dedicado especial atenção à literatura. Tal situação se deve ao fato de que
a ciência jurídica e o campo literário possuem diversas conexões possíveis,
desde a temática da hermenêutica até o campo dos juízos e valores morais na
sociedade humana.
Porém, há um ponto que unifica as
duas áreas de maneira singular: trata-se do problema inerente ao ato humano. Ou
seja, as atitudes humanas constituem o repertório que dá sentido ao amplexo
normativo dos códigos e diplomas legislativos, como também confere unidade à
pluralidade de experiências humanas retratadas nas obras de literatura.
Enquanto a história trata da
memória viva do passado, ampliando progressivamente o rol dos fatos e
experiências concretas sucedidas ao longo dos tempos, a literatura reflete as
experiências humanas possíveis, desde a lógica da potencialidade. A saber, ao
passo que a história procura explicar a realidade a partir da coleta dos fatos
e sua interpretação e investigação posterior, a literatura produz ficção e, a
partir dela, se mergulha na consciência e nas causas da atividade humana. A
literatura, por assim dizer, retrata a diversidade inerente as tensões
existenciais, produzindo formas descritivas de compreensão do homem na
história. A história é o ato, a literatura a potência. A história é a memória
dos povos. A literatura, a consciência dos atos humanos.
Da perspectiva do jurista, a
interpretação das normas pressupõe que o interprete mergulhe na realidade para
compreendê-las mais profundamente. Ora, sendo a realidade complexa e seu
conhecimento de difícil decifração, é mister que o hermeneuta procure no
Direito um modo de entendimento sobre o mundo. A partir das normas jurídicas,
se quer conhecer o sentido do dever ser, quer-se, antes de tudo, conhecer o
destino dos atos humanos e reconhecer suas causas e consequências.
Enquanto a história preenche o
rol dos fatos e situações compartilhadas na experiência social por séculos e
gerações, a literatura retrata o conjunto das possibilidades do futuro,
antecipando atitudes humanas a partir de uma investigação quanto à consciência do
mesmo, como também suas reações e ações perante situações concretas. A
literatura, mutatis mutandis, trás o futuro para o presente e viabiliza ao
jurista interpretar a história de forma atual. A atualidade do Direito, assim,
exige a conexão entre a história e a literatura, entre o que já ocorreu e o que
pode ocorrer.
Por exemplo, quando lemos uma
obra como Os Demônios, de Fiodor Dostoievski, datada de 1872, percebemos o
quanto de profético há na textura apresentada, cujos personagens imbuídos de
atitudes revolucionárias demonstram de forma viva o que viria a ocorrer na
Revolução Russa de 17. De certo modo, a maneira toda singular de entender o
marxismo e demais ideologias revolucionárias, mesmo o romantismo, do ponto de
vista da literatura russa, nos mostra que os russos possuem uma característica
bastante especial: a de importar certas categorias do pensamento revolucionário
e interpretá-las segundo uma visão de mundo própria e particularizada, por
vezes contrária à cosmovisão ocidental. Nesse caso, a literatura profetiza
sobre a história, justamente por apresentar um pano de fundo comum às
experiências humanas universais. A linguagem do possível antecipa a atualidade
da história. Em suma, a apresentação da consciência revolucionária permite
vislumbrar que, em pleno século XIX, já era possível detectar o que viria a
suceder poucos anos depois no conjunto de fatos ocorridos em meio à revolução
bolchevique.
A ciência jurídica, ocupada em
discernir o justo em concreto, não encontra outro meio senão reconhecer e
investigar os motivos das atitudes humanas, das tensões existenciais, enfim,
dos dilemas humanos básicos apresentados pela literatura e atualizados pela
história. A história viva da ciência jurídica perpassa a cultura humana
mediante a literatura jurídica, composta por aquilo que representa a finalidade
do Direito de modo mais elementar: normatizar e orientar os atos do ser humano.
Fonte:http://www.midiasemmascara.org/artigos/direito/13276-direito-literatura-ehistoria.html
Comentários
Postar um comentário