As Bem-Aventuranças do Antigo Testamento 1/4

Por Caramuru A. Francisco 


Texto áureo:"Bem-aventurados os que trilham caminhos retos e andam na lei do Senhor" (Sl.119:1)

INTRODUÇÃO

As bem-aventuranças no Antigo Testamento têm cunho espiritual. Neste texto faremos uma breve análise do conceito de “bem-aventurança” no Antigo Testamento, a fim de mostrar que, mesmo na antiga aliança, a ideia de felicidade era despida de conotações materiais. Os ensinos de Jesus a respeito das bem-aventuranças têm pleno respaldo no Antigo Testamento.

I – AS BEM-AVENTURANÇAS NO PENTATEUCO E NOS LIVROS HISTÓRICOS

O sermão do Senhor, que conhecemos como as beatitudes, apresentaram o significado da prosperidade dos bem-aventurados. Este ensino de Cristo tem pleno respaldo no Antigo Testamento e, por isso, a fim de mostrar que o significado de “bem-aventurança”, de “felicidade” nas Escrituras hebraicas era despido de conotações materiais imediatas, resolvemos fazer uma breve análise das bem-aventuranças no Antigo Testamento.

No Antigo Testamento, a palavra que é traduzida por “bem-aventurado” é a palavra hebraica “ ‘esher” (אֶשֶר), cujo significado é “quão feliz”, que é, quase sempre, utilizada com um significado senão totalmente, predominantemente espiritual. A primeira vez que a palavra aparece na Versão Almeida Revista e Corrigida é em Gn.30:13, quando Leia, feliz porque sua serva Zilpa havia tido o segundo filho, igualando-se, assim, em número de filhos a Bilha, a serva de Raquel, disse que seria considerada bem-aventurada pela descendência de Israel, deu o nome de “Aser” (que significa bem-aventurado) à criança.

Pelo que verificamos, pois, a bem-aventurança mencionada por Leia era o seu reconhecimento como “mãe” pela descendência de Israel, como alguém que era abençoada, que havia se desincumbido do dever de frutificação e multiplicação imposto por Deus a todos os homens, papel em que a participação da mulher era primordial. Leia havia deixado de gerar filhos (Gn.30:9) e, desta maneira, com a vinda de dois filhos por meio de sua serva Zilpa entendia ter retomado o papel de “mãe de Israel”.

A ideia de bem-aventurança, pois, surge como uma felicidade, mas uma felicidade por se estar cumprindo um dever imposto por Deus ao ser humano, uma felicidade que decorre de um relacionamento com Deus. Há bem-aventurança quando se tem um real relacionamento com o Senhor. Em Dt.33:29, novamente a palavra aparece, no término das bênçãos de Moisés às tribos de Israel, um momento em que o patriarca, momentos antes de sua despedida, usado pelo Espírito de Deus, abençoa o povo que liderara por quarenta anos.

Finalizando a sua bênção e se dirigindo a toda a nação israelita, Moisés chama Israel de “bem-aventurado”. E por que Israel era bem-aventurado? Responde o líder: porque Israel era um “povo salvo pelo Senhor”, um povo que tinha Deus por “escudo do socorro” e “espada da alteza”, motivo por que os inimigos seriam sujeitos e Israel pisaria sobre as suas alturas.

A bem-aventurança de Israel não estava na “terra que mana leite e mel” que Deus lhes havia prometido. Não, não e não! A bem-aventurança de Israel estava na salvação que Deus lhe dera, na escolha divina para que fosse “reino sacerdotal e povo santo” (Ex.19:5,6), na circunstância de que, para cumprir o propósito divino, Israel seria socorrido e protegido pelo Senhor para vencer os inimigos e tomar posse da Terra Prometida.

Esta noção de bem-aventurança, surgida nas últimas palavras proferidas por Moisés, que se encontrava muito próximo de passar para a eternidade é muito elucidativa, pois é como que um resumo de tudo quanto o grande líder havia presenciado ao longo de sua vida terrena. Moisés via que a felicidade de Israel estava na “salvação do Senhor”, não naquilo que viria a possuir em Canaã. Que tenhamos esta mesma visão de Moisés, amados irmãos!

A palavra “bem-aventurado” somente aparecerá, novamente, nos livros históricos, em I Rs.10:8 e II Cr.9:7, textos paralelos, que tratam da expressão utilizada pela rainha de Sabá em sua visita ao rei Salomão. Admirada por ver tanta prosperidade, a rainha disse que os servos de Salomão eram “bem-aventurados” porque estavam diante de Salomão e ouviam a sua sabedoria. Em meio a tanta opulência material, num tempo em que o ouro era tanto que a prata nada valia (I Rs.10:21), a rainha de Sabá chamou os servos de Salomão de “bem-aventurados”, porque eles podiam ouvir a sabedoria do rei, sabedoria que havia sido posta por Deus em seu coração (I Rs.10:24).

Temos aqui um eloquente exemplo de que a Bíblia Sagrada não considera que a “bem-aventurança”, a “felicidade” esteja na posse de bens materiais. Apesar de haver um ambiente riquíssimo, verdadeiramente glorioso sob o ponto-de-vista material (o que é reconhecido pelo próprio Jesus em Mt.6:29 e Lc.12:27), a “bem-aventurança” estava não em coisas materiais, mas em poder desfrutar e aprender com a sabedoria que Deus havia dado a Salomão. De igual modo, devemos, a exemplo da rainha de Sabá, entender que a “bem-aventurança” de cada ser humano não se encontra no desfrute ou posse de riquezas materiais, mas em podermos ouvir e estar diante daquele que é maior que Salomão (Lc.11:31), Jesus Cristo, poder e sabedoria de Deus (I Co.1:24).

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