Tiara e Poderes do Papa
Por Pedro A. Ribeiro de
Oliveira
A inesperada renúncia
do Papa Bento XVI abre o processo que elegerá seu sucessor no pontificado.
Durante séculos constou da cerimônia de inauguração do pontificado a tiara:
ornamento de cabeça com três coroas superpostas. De origem medieval, a tiara
simboliza a conjunção de três poderes. Ao ser coroado, o Papa recebia a tiara
como símbolo de tornar-se então “Pai de Príncipes e Reis, Pastor de toda a
Terra e Vigário de Jesus Cristo”. O último papa a colocá-la na cabeça foi Paulo
VI, que em 1963 a depositou aos pés do altar para não mais ser usada.
Desapareceu assim o antigo símbolo do poder temporal dos papas.
Acabou-se o símbolo, com certeza, mas não os poderes temporais. Embora o papa não consagre chefes de Estado, não comande exércitos nem dirija alguma corporação transnacional, ele continua a exercer poderes que não são insignificantes. Sem alarde e sempre alegando servir a Igreja, os últimos papas conservaram os principais poderes que a tradição medieval lhe atribuiu.
Em primeiro lugar, o
papa dispõe de uma importante instituição financeira: o Instituto para as Obras
de Religião, que funciona como banco a serviço da Santa Sé. Por gozar do
privilégio de extraterritorialidade, essa instituição pode fazer aplicações de
capital em diferentes campos da economia sem submeter-se ao controle externo de
suas atividades. Isso dá ao papa considerável poder econômico, pois ainda que
viessem a faltar as contribuições voluntárias dos fiéis, os rendimentos dessas
aplicações financeiras permitiriam manter a Santa Sé em funcionamento por muito
tempo.
Outro poder oriundo da
tradição medieval é a condição de chefe de Estado. O Vaticano é um território
minúsculo, comparado aos antigos Estados Pontifícios, mas dá ao papa o comando
sobre o corpo diplomático da Santa Sé, que é tido como um dos mais competentes
e eficientes do mundo. Formados pela Pontifícia Academia Eclesiástica, os
núncios apostólicos e seus auxiliares representam a Santa Sé em quase todos os
Países do mundo e junto aos principais organismos internacionais. Sua função
não é apenas diplomática mas também eclesiástica, pois as nunciaturas são o
veículo normal das informações confidenciais entre a Secretaria de Estado e os
bispos de um país, e por elas passam as denúncias de irregularidades nas
igrejas locais. Independentemente da quantidade de católicos residentes no
país, a representação diplomática da Santa Sé tem status de embaixada e em
muitos países o núncio exerce a função de decano do corpo diplomático.
Outro poder de grande
importância é a nomeação de bispos. Também herança medieval, quando havia
grande interferência de reis e príncipes na escolha de bispos para dioceses
situadas em áreas sob sua jurisdição. Para proteger aquelas dioceses contra
nomeações que atendessem antes aos interesses dos governantes do que às
necessidades pastorais da igreja local, o papa reservou-se o direito de eleição
dos bispos. Hoje em dia a laicidade do Estado impede a interferência do poder
político na escolha de bispos, e a situação inverteu-se: em vez de salvaguardar
o direito de a igreja local escolher seu bispo, a escolha do candidato pelo
papa volta-se contra ele. As nomeações episcopais são regidas pela lógica da
cúria romana e não pelas necessidades da igreja local. Isso não significa, é
claro, que a cúria romana desconheça as igrejas locais, mas seu conhecimento
depende da eficiência dos canais de informação disponíveis. Além disso, como
todo ocupante de cargo de direção presta contas primeiramente a quem o elegeu,
os bispos se sentem obrigados a seguir a orientação vinda de Roma mesmo quando
ela não condiz com a realidade de sua igreja particular. E isso, sem dúvida, só
faz aumentar a centralização do poder romano.
Apontados esses três
poderes papais, como três coroas de uma tiara, cabe refletir sobre o
significado da renúncia dos últimos quatro papas ao uso da tiara. Renunciaram
apenas a um ornamento bizarro ou a
certos poderes que hoje mais impedem do que favorecem a missão evangelizadora
da Igreja?
Os três poderes acima
enunciados – poder econômico, poder de Estado e poder eclesiástico – favorecem
uma forma de organização centralizada e piramidal, na qual a cúpula tem o
controle de todas as instâncias intermediárias até as bases. Esse modelo
organizativo que moldou também a burocracia estatal, o exército, e as empresas
privadas desde o século XIX vem sendo substituído por outro modelo, mais
flexível e ágil: a organização em rede, que tornou caduca a organização
piramidal, hoje incapaz de assegurar uma governança eficiente.
Não é, porém, por ter
saído de moda que o modelo centralizado e piramidal adotado pela Igreja
católica romana deve ser criticado, pois há coisas fora de moda que continuam
boas – como o casamento monogâmico, por exemplo. O poder centralizado e
piramidal merece ser criticado é porque dificulta o exercício da autoridade: a
capacidade de mobilizar pessoas apenas pela força moral de quem as lidera. Aí,
sim, reside o fulcro da questão.
Os clássicos da
sociologia – E. Durkheim, K. Marx e M. Weber – perceberam que a força histórica
e social da religião reside em sua capacidade de moldar – pela convicção, não
pela coerção – o comportamento humano e assim formar o “clima moral” de uma
sociedade. É na ação molecular, de base (as múltiplas atividades pastorais de
comunidades, movimentos e congregações religiosas) que reside a força social da
Igreja. Sem essa capilaridade pastoral, os pronunciamentos do papa – e dos
bispos, pode-se acrescentar – seriam mera retórica. Se o papa e os bispos
querem ter força moral, é hora de renunciar aos poderes temporais. Ai reside um
grande desafio ao sucessor de Bento XVI.
Uma Igreja que anuncia
e constroi o Reinado de Deus no mundo atual – afinal esta é sua perene missão,
reafirmada no Concílio Ecumênico de 1962-65 – deve renunciar ao poder econômico,
à diplomacia e à organização piramidal, para tornar-se uma Igreja capaz de
dialogar com o mundo como fazia Jesus: com autoridade moral e testemunho de
amor – preferencialmente aos pobres e às pessoas socialmente desprotegidas. Que
o próximo papa deixe a tiara no museu do Vaticano e com ela os poderes
temporais herdados dos tempos medievais. Será bom para o Papa, para a Igreja
católica e para o mundo todo.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/517538-tiara-e-poderes-do-papa
Paz de Cristo meu irmão!
ResponderExcluirPassei aqui para pedi que leia um postagem profundamente teológica sobre o Decreto de Deus.
http://blogdojeanpatrik.blogspot.com.br/2013/02/o-decreto-de-deus.html
É importe que leia!
Jean Patrik
Ok. Jean, lerei com certeza. Abraço.
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