Uma História de Renúncias Papais
Por John W. O'Malley
A renúncia do Papa
Bento XVI no dia 28 de fevereiro levantou muitas perguntas sobre esse ato
histórico. Quem foi o último papa a abandonar o seu ofício? Quantos papas
renunciaram? Essas questões não são tão fáceis de responder como parecem.
O cânone 332 especifica
que, para ser válida, uma renúncia deve ser "livre" – não coagido.
Convencionalmente, descrevem-se nove ou dez papas como renunciatários. Esse
número seria maior se incluíssemos os chamados antipapas, alguns dos quais,
como o primeiro João XXIII (1410-1415), podem muito bem ter sido os legítimos
requerentes. Não importa quão longa ou quão curta seja a lista, poucos
renunciaram "livremente" no total. No entanto, quer livres ou
forçadas, as renúncias parecem ter funcionado pelo bem da Igreja.
O Papa Celestino V
(1294) é o melhor candidato e também o mais famoso papa que renunciou
livremente. Dante o colocou no inferno por essa "grande recusa", isto
é, por se esquivar da responsabilidade à qual Deus o escolhera (Inferno 3, 61),
mas a maioria das pessoas pensa que, ao renunciar, Celestino V "fez
bem", como afirmou um cronista da época.
A sua eleição foi
incomum, para dizer o mínimo. Depois de um conclave que durou mais de dois
anos, os cardeais, em um compromisso desesperado, escolheram Celestino V, um
eremita piedoso. Se o papa não podia vir dos seus próprios números, os cardeais
pareciam pensar, a melhor coisa era eleger uma pessoa santa que seria guiada
pelo Espírito. Celestino V, que tinha seus 80 anos quando foi eleito, também
era mal alfabetizado em latim e estava completamente esmagado pelos seus
deveres. Em sua ingenuidade, ele se tornou uma peça involuntária nas mãos do
rei Carlos II de Anjou. Eleito no dia 5 de julho, renunciou no dia 13 de
dezembro. Ele foi papa, portanto, por cerca de cinco meses.
Será que ele renunciou
livremente? Não há provas concretas em contrário. Ele explicou a sua ação
dizendo que estava doente, que não tinha o conhecimento e a experiência
necessários e que queria se retirar para a sua ermida. Contudo, espalharam-se
rumores de que o homem que o sucedeu como Papa Bonifácio VIII usara uma
influência indevida sobre Celestino V para persuadi-lo a renunciar, de modo que
o caminho ficasse aberto à sua própria eleição. Quer esses rumores sejam
verdadeiros ou falsos, os inimigos de Bonifácio VIII lançaram dúvidas
incessantemente sobre a legitimidade do seu pontificado por causa do evento
incomum e supostamente sem precedentes da renúncia. Como disse o arqui-inimigo
de Bonifácio VIII, o rei Filipe IV da França, em uma mordaz nota de acusação,
que incluía quase todos pecados e heresias imagináveis, "ele é acusado
publicamente de tratar desumanamente o seu antecessor Celestino V – um homem de
santa memória e de santa vida que talvez não soubesse que não poderia renunciar
e que, portanto, de acordo com Bonifácio VIII, não poderia entrar legitimamente
em sua Sé".
Ponciano (230-235) é
talvez o melhor candidato, em seguida, para um papa que renunciou livremente.
Na perseguição do imperador Maximus Thrax, Ponciano foi deportado para as minas
da Sardenha. Como tal deportação era o equivalente a uma sentença de morte no
trabalho duro, ele abriu mão do papado no dia 28 de setembro de 235, a primeira
data precisamente registrada da história papal. Ele fez isso a fim de que a
Igreja de Roma pudesse escolher um sucessor e, assim, não ficaria sem um líder.
Foi um ato nobre dele e, tecnicamente falando, livre, mas Ponciano não teria
renunciado se a sua capacidade de governar não tivesse sido tirada dele à
força.
O caso de Martinho I
(649-653) é semelhante – e diferente. Ele se opôs fortemente à heresia
monotelita (Cristo tem apenas uma vontade), que, por razões políticas, o
imperador Constâncio II estava promovendo. Seguidores do imperador aproveitaram
que o papa estava em Roma e levaram-no, doente e indefeso, a Constantinopla,
para ser julgado por traição. Martinho foi condenado, açoitado publicamente e
condenado à morte, embora a sentença fora trocada pelo banimento. Martinho
queixou-se amargamente por ter sido abandonado pela Igreja romana, que não só
não fez nada para ajudá-lo em seus problemas, mas, contra o seu desejo
expresso, também elegeu um sucessor enquanto ele ainda estava vivo. Martinho,
no entanto, concordou com o que havia sido feito e rezou a Deus para que
protegesse o novo pastor da Igreja de Roma das heresia e dos inimigos.
Outras renúncias?
Clemente I (92?-101), uma vez na lista, foi retirado por falta de provas
convincentes. Para Marcelino (296-304), a prova, embora talvez não totalmente
confiável, é melhor. Na perseguição do imperador Diocleciano, Marcelino
supostamente fez sacrifícios aos ídolos, a fim de salvar a sua vida. De acordo
com alguns relatos, ele foi formalmente deposto, mas, em todo caso, ao cometer
esse ato de apostasia, ele foi automaticamente desqualificado do sacerdócio, o
que deixou a Igreja romana sem um chefe. O que quer que tenha acontecido,
certamente não foi uma renúncia "livre". Bento V (964), que talvez
deveria ser considerado mais como um antipapa do que o genuíno, reinou por
apenas um mês antes de ser deposto por um sínodo instigado pelo imperador Otto
I. Dificilmente livre.
Bento IX (1032-1045) é
um caso curioso. Ele era sobrinho tanto do Papa Bento VIII quanto do Papa João
XIX. Para manter o papado dentro da família, seu pai subornou os eleitores em
favor do futuro Bento IX, um leigo ainda na casa dos seus 20 anos. Nos próximos
13 anos, Bento IX despertou hostilidade pelas suas maquinações políticas e
provocou escândalo pela sua vida abertamente dissoluta. Por volta de 1045, a
sua situação não só se tornou instável, mas, segundo alguns, ele também queria
se casar. Naquele ano, ele renunciou em favor do seu padrinho, mas não antes de
se assegurar por parte dele uma grande soma de dinheiro. Decisão livre ou não,
ela certamente foi sórdida. A simonia que isso envolveu lançou dúvidas sobre a
legitimidade do novo papa, Gregório VI. No ano seguinte, o imperador Henrique
III desceu até a Itália, vindo da Alemanha, e fez com que Bento IX e Gregório
VI fossem depostos em um sínodo em Sutri, nos arredores de Roma.
Um terceiro requerente
ao papado, Silvestre III, também foi condenado no sínodo. O imperador,
revoltado com a situação romana, nomeou um alemão honesto como papa, Clemente
II, um ato que acabou sendo o primeiro passo para resgatar o papado do atoleiro
moral em que havia caído e que, portanto, foi o prelúdio imediato à Reforma
Gregoriana.
O último papa na lista
é Gregório XII (1406-1415). Sua renúncia efetivamente marcou o fim do Grande
Cisma do Ocidente, aquele período da história da Igreja entre 1378 e 1415,
quando dois, e depois três, homens alegavam ser o legítimo papa. Diante da
insistência do rei alemão (mais tarde imperador) Sigismundo, o primeiro Papa
João XXIII, um dos demandantes, com grande relutância, convocou um concílio em
Constança para resolver o cisma. Uma vez que o concílio começou suas sessões,
ficou claro para todo mundo que, para salvar o papado, a lista de candidatos
devia ser limpada, o que significava a renúncia ou a deposição de todos os três
requerentes. Com isso, João XXIII fugiu do concílio, na esperança de
interrompê-lo. Ele teve a infelicidade, no entanto, de ser capturado e levado
de volta para o concílio como um prisioneiro. Julgado e deposto, João XXIII,
agora dividido em espírito, admitiu os erros que havia feito, confirmou a
autoridade do concílio e renunciou formalmente a qualquer direito que ele
poderia ter ao papado.
O segundo requerente,
Bento XIII, recusou-se a reconhecer ou lidar com o concílio e,
consequentemente, foi deposto por ele. Após a sua deposição e a eleição bem
sucedida do novo papa, Martinho V, o apoio a Bento XIII evaporou, exceto por
alguns cabeças-duras.
Restava o terceiro
demandante, Gregório XII. Uma vez que João havia sido deposto, o concílio
entrou em negociações com Gregório XII para tentar persuadi-lo a renunciar. A
essa altura, Gregório XII tinha apenas um pequeno séquito, provavelmente viu os
maus presságios e, para dar-lhe o benefício da dúvida, estava finalmente pronto
para fazer o que podia para acabar com o cisma. Ele concordou em renunciar sob
a condição de ser autorizado a convocar o concílio de novo, de modo a não
conceder nenhuma legitimidade à convocação original do seu rival. No dia 4 de
julho de 1415, o concílio ouviu a sua bula solenemente convocando-o e, depois,
ouviu o anúncio da sua renúncia. Desde essa data, nenhum outro papa
"renunciou" – até o dia 28 de fevereiro de 2013.
Fonte do texto e da ilustração:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518084-uma-historia-de-renuncia-papais-artigo-de-john-w-omalley
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