O Jejum Como Reforça à Oração 2/4

Por Caramuru A. Francisco

Quando falamos em jejum, há aqueles que entendem que o jejum é a abstinência completa de todo e qualquer alimento, tanto água quanto os demais alimentos, não aceitando a ideia de que possa existir um jejum parcial. Entretanto, devemos compreender o jejum como uma abstinência total ou parcial de alimentação. O jejum envolve uma abstinência, uma privação, que pode não ser completa. Um exemplo bíblico de jejum parcial encontramos em Dn.10:3, onde o profeta afirma que não comeu manjar desejável, num exemplo de que a abstinência não era total. Desta forma, não temos respaldo bíblico para afirmar que todo e qualquer jejum somente é válido se for total.
OBS: Atualmente, não há mais, entre os católicos romanos, uma definição do que seja o jejum, mas, no Código Canônico anterior, datado de 1917 e que vigorou na Igreja Romana até 1983, o jejum era considerado como uma abstinência em que, no mínimo, não se deveria tomar mais do que uma refeição completa, permitida a ingestão de outro alimento outras duas vezes ao dia, regra que, embora não conste mais do Código Canônico, ainda tem sido considerada como válida entre os católicos romanos. No Brasil, entretanto, a Igreja Romana não tem incentivado esta prática (com exceção talvez dos carismáticos), tanto que o jejum semanal prescrito para as sextas-feiras foi substituído pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pela prática de obras de caridade e exercícios de piedade.

Existem algumas dúvidas relativas ao jejum, que seria aqui oportuno discutir, a saber:
a) O jejum deve envolver, também, a abstinência de relações sexuais? No sentido estrito, o jejum é a abstinência de alimentos, ou seja, de comida e/ou de bebida. Desta forma, como o sexo não é um alimento, não estaria envolvida na ideia de jejum tal abstinência. No entanto, é inegável que a prática do sexo é algo que está relacionado com a satisfação do corpo e, em virtude disto, logo se associou a ideia de jejum à abstinência também de sexo, uma associação que não se entende seja desarrazoada, mas que não se afigura como um mandamento(entre os muçulmanos, o jejum envolve a abstinência sexual). Numa ocasião, pelo menos, a Bíblia registra que a consagração para a presença de Deus envolveu a abstinência sexual, como se vê na entrega dos dez mandamentos ao povo de Israel (Ex.19:15), embora não esteja explicitado que tal abstinência estivesse acompanhada de um jejum. A Bíblia ensina-nos, entretanto, que, para que haja a abstinência sexual, é necessário que haja mútuo consentimento entre marido e mulher, sem o que não se terá como regular tal abstinência (I Co.7:10). Desta forma, o jejum não envolve, necessariamente, a abstinência de relações sexuais, mas não é errado incluí-la no sacrifício, desde que isto se faça através de consentimento mútuo de marido e mulher. Ademais, a abstinência sexual, por si só, independentemente do jejum, constitui-se em um reforço à prática da oração, observadas as restrições bíblicas já mencionadas.

b) O jejum envolve a abstinência de ingestão de remédios e de medicamentos? Outra dúvida frequente é se o jejum impede a pessoa de ingerir remédios e medicamentos durante o período da abstinência. Entre os católicos romanos, o jejum prescrito para uma hora antes da participação na comunhão expressamente exclui a água e o remédio(cânon 919 do Código Canônico). Entendemos que o remédio não é alimento e, portanto, sua ingestão não quebra o jejum, até porque se pode fazer um jejum parcial, como veremos infra. Entretanto, há remédios que, para serem ingeridos, exigem a ingestão de algum tipo de alimento, o que impediria, pelo menos, um jejum total. Esta situação demonstra que pessoas enfermas devem evitar a prática do jejum até o seu pronto restabelecimento, havendo outras formas de agradar a Deus e de buscá-l’O mais intensamente, como falamos infra.

c) O jejum é quebrado pela participação na mesa do Senhor? Outra discussão que surge é se a pessoa que está jejuando quebra o jejum se participar da mesa do Senhor. A ingestão do pão e do vinho, na Ceia, faz quebrar o jejum? Muito se tem discutido sobre este assunto, mas entendemos que a melhor opinião é a defendida, entre outros, pelo pastor e escritor Severino Pedro da Silva, segundo a qual, como o pão e o vinho não têm o escopo de alimentar o corpo e, sim, são símbolos de um alimento espiritual, a participação da mesa do Senhor não tem o condão de quebrar um jejum que esteja sendo levado a efeito por um servo do Senhor. Jamais um crente, a pretexto de um jejum, deverá deixar de participar do corpo de Cristo, pois a participação na ceia é um mandamento do Senhor e obedecer é melhor do que sacrificar. No entanto, se a consciência do crente não aceita que ele possa manter o jejum participando da ceia, que o entregue antes da participação, como, aliás, sabiamente, em todas as ceias, costuma proceder, na igreja que preside, pastor Raimundo Soares de Lima (Indaiatuba/SP), que sempre entrega, coletivamente, o jejum dos crentes presentes no culto da Ceia do Senhor, antes do início da participação.

d) Devem-se praticar os atos de higiene pessoal enquanto se jejua? Muitos têm dúvida se, durante o jejum, podem praticar atos de higiene e cuidado pessoais, como tomar banho, escovar os dentes, vestir-se bem ou algo similar. Entre os judeus, havia aqueles que entendiam que, durante o jejum, não se devia tomar banho. Foi a partir deste ensinamento que surgiu o jejum farisaico, em que a pessoa fazia questão de mostrar aos outros que estava jejuando. Deste modo, como isto foi duramente criticado pelo Senhor no sermão do monte, torna-se evidente que não só pode, mas que o crente deve praticar estes atos de higiene durante o jejum, até para não demonstrar que está jejuando. Estas práticas estão inclusas na expressão bíblica "unge a tua cabeça e lava o teu rosto" (Mt.6:17).

e) Considera-se de jejum o período de abstinência durante o sono? Há muitas pessoas que, para jejuar, buscam o período do sono, ou seja, alimentam-se bem e vão dormir, procurando acordar mais tarde no outro dia, exatamente para que não "sejam tentados a quebrar o jejum". Esta prática não deve ser seguida pelos crentes. O jejum é a abstinência de alimentos, ou seja, é deixar de se alimentar em período em que normalmente haveria a alimentação. O período de sono não é um período em que nos alimentemos normalmente e, portanto, esta falta de alimentação não pode ser considerada como jejum.

f) Quanto tempo deve durar o jejum? Muito se indaga sobre o período de duração do jejum, como se o tempo do jejum fosse torná-lo melhor ou não, ou que Deus exigiria um tempo mínimo de jejum. De qualquer maneira, o importante é que haja o propósito por parte do jejuador e uma sinceridade capaz de sensibilizar o coração de Deus. Cada pessoa deve saber da sua estrutura e, com base nisto, calcular o tempo de jejum. Um jejum total não pode ser muito duradouro, pois os casos constantes da Bíblia de prolongados jejuns completos (Moisés-Ex.24:18, 31:18; 34:28, Elias - I Rs.19:8 e Jesus - Mt.4:2) são casos especiais, relacionados com a missão específica e singular destes dois homens de Deus e do próprio Senhor Jesus, razão pela qual não podem nem devem ser copiados pelos crentes. O jejum feito acima das condições físicas somente tratará problemas de saúde física e mental ao jejuador, sendo motivo de escândalo e não de glorificação do nome do Senhor e não devemos dar motivo de escândalo (I Co.10:32; Mt.18:7). Entretanto, deve-se observar que a ciência médica não considera como sendo de jejum um período inferior a 4(quatro) horas (nenhum exame médico que exija jejum é realizado em período inferior a este), de sorte que não há que se falar em jejum inferior a este período, pois não há aqui qualquer privação de alimentação, mas mero intervalo de refeições.

g) Pode-se jejuar enquanto se faz uma dieta? Há muitas pessoas que, por estarem fazendo uma dieta alimentar, estética ou médica, querem aproveitar-se da ocasião para jejuar. Seria isto possível? Em primeiro lugar, devemos lembrar de que o jejum não se confunde com a simples dieta alimentar. Já há grupos religiosos que estipulam jejuns como verdadeiras dietas, tendo um cardápio de abstinência assim como as receitas de dieta que cada vez mais proliferam no mundo. Em segundo lugar, se estamos diante de uma dieta médica, não se terá jejum, pois o jejum é uma privação de algo que se pode consumir e a pessoa estará sendo privada de alimentação por questões de saúde e não estará deixando de se alimentar de coisa alguma, o que prova não se tratar de jejum algum. Se a dieta for estética, teremos uma atitude puramente motivada para aspectos de beleza e de bem-estar corporal, atitudes que são incompatíveis com os propósitos que devem ser levados a efeito pelo jejum. Portanto, concluímos que uma dieta não pode ser "aproveitada" como jejum.

O conceito de jejum, ademais, não envolve apenas a ideia de privação alimentar. O jejum, também, é caracterizado pela existência de um propósito, de uma finalidade precisa e clara. Como afirma o professor Felipe de Aquino, católico da Comunidade Canção Nova, “…Ao jejuar devemos concentrar-nos não só na prática da abstenção do alimento ou das bebidas, mas no significado mais profundo desta prática. O alimento e as bebidas são indispensáveis para o homem viver, disso se serve e deve servir-se, mas não lhe é lícito abusar seja da forma que for. O jejum tem como finalidade nos levar a um equilíbrio necessário, e ao desprendimento daquilo que podemos chamar de ‘atitude consumística’, característica da nossa civilização. …” (AQUINO, Felipe de. A importância do jejum. Disponível em: http://blog.cancaonova.com/felipeaquino/2010/02/18/a-importancia-do-jejum/ Acesso em 01 out. 2010).

É exatamente este o ponto em que Jesus discordava dos jejuns praticados pelos fariseus, que eram práticas rituais, formais, meras ostentações, sem qualquer propósito senão o da autoglorificação e da autoexaltação. Devemos jejuar sempre que temos um motivo, um propósito, um objetivo definido e estabelecido. Sem que haja este propósito, o jejum será tão somente uma privação alimentar, uma dieta. Daí porque não podermos concordar com a definição de jejum que teria sido supostamente anunciada numa "aparição" na cidade sérvia de Medjugorje, segundo a qual "jejum é refrear a nossa gula e disciplinar o nosso comer" (apud O jejum. Disponível em: www.google.com.br/search?q=cache:GjTEA6a3JLQJ:www.diocese- sjc.org.br/jejum.php+jejum&hl=pt-BR&ie=UTF-8).

É a existência deste propósito e desta finalidade que difere o jejum de uma simples privação alimentar. Jejuar é muito mais do que simplesmente passar fome e sede e é neste particular que muitos têm fracassado: buscam no jejum uma ostentação, uma autoglorificação e o que conseguem, com isso, além da reprovação divina, é tão somente instantes de privação alimentar, uma dieta que, às vezes, nem benefícios traz para a saúde física do que jejua.
OBS: A preocupação com a saúde física do que jejua, aliás, é algo que sempre norteou a prática do jejum nas religiões ao longo da história da humanidade e que, aliás, tem faltado no meio evangélico. Com efeito, já os rabinos judeus diziam que o jejum, como todos os preceitos bíblicos, foi dado como "Torat Chaim" , ou seja, como ensinamentos pertinentes à vida e que os homens devem viver e não morrer por eles. Daí porque os enfermos e as crianças eram isentos desta obrigação, que também não poderia colocar em risco a vida do jejuador. O Código Canônico da Igreja Romana exclui água e remédio do jejum que deve ser observado uma hora antes da sagrada comunhão, como também dispensa as pessoas idosas e enfermas desta prática(cânon 919), revelando, assim, o cuidado que deve haver quanto a estas situações. Daí porque ter o pastor Elinaldo Renovato de Lima, , em seu artigo sobre a prática do jejum, na revista Ensinador Cristão, afirmado, sabiamente, que "…pessoas portadoras de doenças do estômago tenham cuidado com seu organismo. Não é aconselhável que pessoas com úlceras ou gastrites façam jejum. Deus não quer sacrifício. Ele quer obediência, fidelidade, santidade." (Evite os exageros: esclarecimentos importantes sobre a prática do jejum na vida cristã. Ensinador Cristão, ano 4, nº 15, jul.-ago.-set./2003, p.14).

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