O Jejum Como Reforço à Oração 3/4

Por Caramuru A. Francisco

II - O JEJUM NAS ESCRITURAS

Na lei de Moisés, o jejum foi estabelecido como obrigatório no dia da expiação, quando o povo deveria "afligir a sua alma", expressão que significa, precisamente, praticar o jejum (Lv.16:29 - na Nova Versão Internacional, o texto diz : vocês de humilharão (ou jejuarão)). Vemos, portanto, que o primeiro propósito do jejum que se encontra na Palavra de Deus é o de humilhação, de arrependimento de seus pecados. Esta mesma ideia para o jejum encontramos no tempo de Samuel (I Sm.7:1-12) e até mesmo fora de Israel, como ocorreu entre os ninivitas após a pregação de Jonas (Jn.3:6-10).

Na primeira manifestação voluntária de jejum que se tem notícia no meio de Israel, em Jz.20:26, temos um novo propósito para a prática do jejum. No tempo do terceiro sumo-sacerdote, Fineias, no início do período dos juízes, vamos observar os soldados israelitas jejuando buscando uma orientação divina a respeito da guerra civil contra a tribo de Benjamim. O jejum, portanto, também era utilizado para se ter uma orientação da parte de Deus.

Quando Deus, em cumprimento à Sua Palavra, feriu o primeiro filho de Davi com Bate-Seba de enfermidade, Davi recorreu ao jejum para tentar alcançar a cura da criança, num novo propósito estabelecido para esta prática (II Sm.11:16,17). É interessante observar que, morta a criança, Davi cessou de jejuar, numa clara demonstração de que o seu jejum tinha um propósito definido e que assim deve proceder alguém que, como Davi, tem um coração segundo o coração do Senhor (I Sm13:14; 16:1).

Também é exemplo de jejum como pedido de orientação e de súplica a Deus o que foi convocado pelo rei Josafá (II Cr.20:3), ocasião em que, ao contrário do que ocorrera com Davi, Deus concedeu o desejo do coração do povo. Outro exemplo de jejum em dias difíceis é o que foi feito pela rainha Ester, que, neste particular, foi acompanhada pelo seu povo (Et.4:16,17), bem como o de Neemias (Ne.1:4) ou de Esdras(Ed.7:21).

O Talmude, segundo livro sagrado dos judeus, contém um livro a respeito dos jejuns ( o "Rolo dos Jejuns", em hebraico "Meguilat Ta'anit"), onde se estabeleceu, precisamente, que os jejuns têm um tríplice propósito: arrependimento, súplica pela ajuda de Deus, o luto ou a comemoração.
OBS: "…O jejum que levava ao arrependimento era considerado significativo só na medida em que era um ato de livre e espontânea vontade, para que incentivasse um auto-exame honesto de parte do jejuador. O jejum como súplica pela intervenção de Deus em época de grandes dificuldades era, frequentemente, um ato coletivo. Na história conturbada do povo judeu, espalhado por dezenas de diferentes lugares através do mundo, a observância de dias especiais de jejum era bastante usual. Podia ser ordenada pelas autoridades rabínicas de uma só comunidade - ou mesmo de toda uma região ou país - com o fito de implorar a ajuda de Deus para antepor-se a qualquer decreto severo da Igreja ou do Estado, ou para frustrar as intrigas dos inimigos implacáveis em seu ódio aos judeus. Em épocas de seca, as comunidades rurais se reuniam para jejuar a fim de provocar a chuva. Quando a peste atacava, os guetos judaicos jejuavam para suplicar a proteção divina. O terceiro objetivo, em importância, do jejum - que havia sido instituído pelos Profetas - era o de fazer relembrar aos descendentes de Abraão as muitas calamidades que se haviam abatido sobre eles em diversas ocasiões desde o Cativeiro no Egito.…" (Nathan AUSUBEL. Jejum e dias de jejum. In: JUDAICA, v.5, p.393-4).


Ao lado deste jejum, porém, a Bíblia também informa ter surgido um jejum cerimonial, um desdobramento do jejum obrigatório do dia da expiação, de tal maneira que o próprio calendário judaico ficou recheado de dias de jejum a ponto de, no tempo dos fariseus, haver dois jejuns semanais, o das segundas-feiras e o das quintas-feiras (Lc.18:12). O Senhor sempre demonstrou Seu desagrado e reprovação a este tipo de jejum, formalista e ritualístico, despido de qualquer outro propósito senão de autoexaltação e de autoglorificação (Is.58:3-7; Zc.7:3-14; Mt.6:16-18). O jejum banalizou-se tanto que era até forma de sinal de acordo homicida, ou seja, passou a ser até uma garantia para a prática de um crime (At.23:12,13).
OBS: "…Entre todos os dias de jejum, só o Iom Kipur, o Dia da Expiação, havia recebido a sanção da Torah como mandamento. Na medida em que o costume tem um poder de perpetuação tão poderoso quanto o da lei canônica, toda uma série de jejuns extra-escritura ocupam um lugar firmemente plantado na vida religiosa judaica. O jejum de Tishah b'Av, o nono dia de Ab, era objeto de maior reverência. É um dia de dor nacional e de contrição, comemorativo da Destruição ( 586 a.E.C. e em 70 E.C., respectivamente) tanto do Primeiro quanto do Segundo Templos, em Jerusalém. A implicação deste e de outros jejuns comemorativos é a seguinte: se as calamidades se abateram sobre o povo judeu, foi, segundo as palavras da liturgia, 'por causa de nossos pecados'- como castigo de Deus.(…). Outro dia de jejum tradicional é o Tzom Guedaliahu (o Jejum de Gedalias). Tem lugar no dia que se segue a Rosh Hashanah (o Ano Novo judaico, observação nossa), e é observado pelos judeus ortodoxos em memória de Guedalias, apelidado 'o Virtuoso'. O rei Nabucodonosor da Babilônia, depois de haver reduzido o Primeiro Templo a ruínas, em 586 a.E.C., havia indicado a Guedalias para governador de Judá. Por razões desconhecidas, ele foi assassinado por seus irmãos judeus. Em represália, houve um massacre de judeus. O jejum de Assarah B'Tevet (o décimo dia de Tevet) rememora o começo do cerco de Jerusalém por Nabucodonosor. O jejum do décimo-sétimo dia de Tamuz comemora uma série de calamidades nacionais arroladas no Talmud. Segundo o Êxodo 32:19, Moisés quebrou as tábuas dos Dez Mandamentos naquele dia; e também naquele dia os sacrifícios diários do Templo foram abolidos, Tito conseguiu abrir uma brecha nos muros de Jerusalém durante o cerco daquela cidade, o general sírio Atsotomos queimou os Rolos da Torah, e um ídolo pagão foi colocado no próprio santuário do Monte Sion pelos sacerdotes acovardados do Templo. Essas eram algumas das razões que os sábios religiosos da era rabínica davam para explicar e justificar o castigo que Deus impôs a Israel, quando destruiu o Templo e espalhou o Seu povo no Exílio(…) por todos os mais longínquos recantos da terra. Ta'anit Ester (o jejum de Ester) é observado pelos tradicionalistas na véspera de Purim, em gratidão à memória do jejum patriótico que a rainha Ester fez quando em busca de orientação divina e de força para levar a efeito a súplica que devia fazer pelas vidas de seus irmãos judeus perante seu marido, o rei Assuero, da Pérsia. A véspera do Pessah (Páscoa, observação nossa) é comemorada pelos ultra-ortodoxos com o Ta'anit Bechorim ( o jejum dos Primogênitos), como expressão da gratidão a Deus por haver poupado os primogênitos de Israel à época do extermínio dos primogênitos egípcios, antes do Êxodo do Egito pelos israelitas. Na categoria de jejuns comemorativos, também os aniversários presumíveis das mortes de figuras eminentes da Bíblia, tais como Moisés, Aaarão, Miriam, Josué e Samuel, e dos mártires rabínicos que haviam perecido nas mãos dos romanos (Akiva ben José, os Dez Mártires, e outros) eram observados, em geral, com jejuns de meios dias, em séculos passados. Esses dias de jejum, porém, não são mais observados, exceto por um punhado de tradicionalistas ferrenhos.…" (Nathan AUSUBEL. Jejum e dias de jejum. In: JUDAICA, v.5, p.394).

Nos dias de Jesus, como vimos, o jejum era uma prática constante e regular entre os judeus, desde os essênios, que se isolavam da sociedade, até os fariseus, que era o grupo religioso mais numeroso daqueles dias. Os discípulos de João Batista também jejuavam (Mt.9:14). Indagado sobre o motivo pelo qual Seus discípulos não jejuavam, Jesus respondeu aos discípulos de João Batista que não era o período de Seu ministério o tempo oportuno de jejuar, mas dias viriam em que deveria haver jejum por parte dos cristãos (Mt.9:15). Assim, ao contrário do que se tem apregoado por falsos mestres, de que o jejum seria uma prática da antiga dispensação, não presente entre os crentes, o próprio Jesus afirmou, categoricamente, que os crentes haveriam de jejuar, prova de que isto não foi abolido pelo Senhor.

Jesus não disse que os crentes não jejuariam, mas que não se fazia necessário jejuar enquanto Jesus estivesse ali, ao lado dos discípulos, em carne e osso, orientando-os, ensinando-os e os guardando de todo o mal. Por que precisariam jejuar numa situação como esta? Entretanto, após a glorificação do Senhor, já vemos a igreja jejuando para buscar a orientação do Espírito Santo (At13:2). Deste modo, não há qualquer base bíblica para ensinamentos de que o jejum não tem lugar na dispensação da graça.

Jesus reprovou o jejum ritualístico, sem propósito outro que não o da ostentação do jejuador, o típico jejum dos fariseus, jejum este, aliás, que, infelizmente, está presente em muitas igrejas locais por parte de "santarrões" que gostam de, em seus testemunhos e palavras, fazer questão de dizer aos ouvintes que estão jejuando ou que jejuam tantas e quantas vezes ao dia, pessoas que, assim como o fariseu da parábola, estarão apenas prestando um desserviço para suas próprias almas (Lc.18:9-14). Que sejamos verdadeiros servos do Senhor, seguindo os conselhos do Senhor sobre como jejuar (Mt.6:16-18).
OBS: Recentemente, tivemos conhecimento de que, em uma determinada igreja local, o líder jejuou por quarenta dias e, ao término do seu jejum, foi recebido com gala por toda a congregação, tendo em vista que se encontra em um “estado de maior santidade”, sendo acolhido como um verdadeiro “super-homem”, todo vestido de branco. Quanta hipocrisia e quanta desobediência à Palavra do Senhor!

O primeiro ensino de Jesus sobre o jejum é de que devemos jejuar. Disse o Senhor "quando jejuardes", ou seja, Jesus já avisava que a Sua Igreja teria necessidade de jejuar, tanto assim que, no episódio em que expulsou um demônio após ter descido do monte da Transfiguração (Jo.17:12), foi claro ao afirmar que expulsão de determinada casta depende necessariamente de jejum e oração.

O segundo ensino de Jesus é de que o jejum deve ser algo entre Deus e o jejuador, de tal modo que ninguém deverá saber sobre o propósito que apresentamos diante do Senhor. Trata-se de um propósito que deve permanecer em oculto, daí porque devemos nos mostrar diante dos demais homens como se não estivéssemos jejuando, não mostrando que estejamos nos abstendo de alimentação ou fazendo algum sacrifício, mas, muito pelo contrário, dando a entender que estamos normais e que nada está ocorrendo. Não se está dizendo que devemos ser hipócritas, mas que devemos manter o assunto em segredo com o Senhor. Quem jejua está querendo ter maior intimidade, aproximar-se mais do Senhor e não é possível que não possa, diante deste propósito, manter um ambiente de segredo, que é uma característica primeira da intimidade. A maior intimidade com Deus começa na existência deste segredo entre o jejuador e o Senhor.

O terceiro ensino de Jesus é de que o jejum deve ter um propósito, uma finalidade. Ao mesmo tempo em que há um segredo entre o jejuador e Deus, faz-se preciso que o jejum tenha um fim, um objetivo a ser perseguido. Disse Jesus que Deus, vendo o nosso jejum, nos recompensará. Ora, o que é a recompensa? É um prêmio, é um galardão que se dá. Sendo assim, o jejum deve ter um propósito, pois, se não fosse assim, não teria como Deus nos dar uma recompensa, nos dar o galardão, o prêmio pretendido. Se Deus no-lo concede, é porque existe um objetivo, um fim que foi perseguido pelo jejuador.

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