Neemias: As Necessárias Cautelas para Estruturação do Povo de Deus 1/2

Por Caramuru A. Francisco

Texto Áureo

“Então o meu Deus me pôs no coração que ajuntasse os nobres, e os magistrados, e o povo, para registrar as genealogias. E achei o livro da genealogia dos que subiram primeiro e assim achei escrito nele: ” (Ne.7:5)


I - NEEMIAS ESTABELECE UM SISTEMA DE SEGURANÇA PARA JERUSALÉM E REORGANIZA O SERVIÇO DO TEMPLO

O capítulo 7 do livro de Neemias começa com a afirmação do governador de que, após a finalização da reconstrução dos muros, mesmo diante da ação dos falsos profetas e dos que haviam se mancomunado com Sambalate, Tobas e Gesem para tentar atemorizar o governador, as portas foram levantadas (Ne.7:1).

É interessante verificarmos que, primeiro, Neemias teve de reedificar os muros, muros que não podiam ter qualquer brecha (Ne.6:1), para só então, colocar as portas nos portais. A edificação tem a sua ordem, que não pode ser alterada.

Assim, também, ocorre na vida espiritual. Primeiramente, temos de edificar os muros sem brecha alguma, ou seja, alicerçados sobre a rocha, que é Cristo Jesus (Mt.7:24; I Co.10:4), crescermos na doutrina, em amor, para que não venhamos a ser enganados pelo inimigo e seus agentes (Ef.4:14-16). Somente depois é que teremos condição de entrarmos em contato com o mundo, a fim de cumprirmos a tarefa da evangelização, visto que é necessário antes sabermos qual é a esperança que temos para podermos levá-la aos outros (I Pe.3:15).

Muitos, nos dias em que vivemos, têm subvertido esta ordem com grande prejuízo tanto para si mesmos quanto para a obra de Deus. Sem terem ainda tido a necessária edificação, lançam-se, inadvertidamente, a tarefas de evangelização, fracassando por não terem o devido preparo, não só não conquistando almas para Cristo como perdendo a si mesmos. Tomemos cuidado e sigamos o exemplo de Neemias que, primeiro reconstruiu os muros, sem brecha alguma, para depois levantar as portas.

Após ter levantado as portas, Neemias tomou outra importante providência: estabeleceu porteiros, cantores e levitas (Ne.7:2). De nada adiantaria ter muros sem brecha alguma e portas levantadas, se não houvesse pessoas prontas a efetuar os serviços e tornar operante toda a estrutura que, com a mão de Deus, havia sido construída em apenas cinquenta e dois. A obra de Deus é feita por homens e os homens devem ter prioridade. A estrutura é boa, mas sem pessoas de nada isto valerá. Lamentavelmente, muitos não têm agido deste modo, com grave prejuízo para a extensão do reino de Deus em nossos dias.

Levantadas as portas, Neemias estabeleceu porteiros. Os porteiros eram absolutamente necessários para que as portas fossem abertas e fechadas nos dias e horários certos, para que a entrada e saída de pessoas e animais fosse devidamente organizada, para que as portas, enfim, tivessem alguma funcionalidade. De que adiantaria todo o esforço para a construção e levantamento de portas, se não houvesse porteiros que tornassem as portas úteis? Por isso, assim que as portas foram levantadas, Neemias tratou de pôr porteiros para que a edificação desse os resultados esperados.

De igual maneira, precisamos ter “porteiros” em nossa vida espiritual, ou seja, necessitamos ser vigilantes em nosso contato com o mundo, visto que, embora a ele não mais pertençamos, ainda estamos nele e temos de conviver com ele inclusive para cumprirmos com a tarefa de sermos luz do mundo e sal da terra (Jo.17:11,16). Vigiar foi a ordem dada por Nosso Senhor (Mc.13:37).

Um dos principais “porteiros” que temos são os nossos olhos, porta de entrada de tudo quanto temos à nossa volta, em especial nos dias em que vivemos em que a principal comunicação é audiovisual. Temos de ter muito cuidado com os olhos, pois estes são órgãos que podem comprometer toda a nossa comunhão com Deus. Cristo nos ensina que eles são “a candeia do corpo” e se eles forem bons, todo o nosso corpo terá luz, se, porém, os teus olhos forem maus, o nosso corpo será tenebroso (Mt.6:23). Será que, a exemplo de Jó, fizemos um concerto com nossos olhos (Jó 31:1)?

Este cuidado de Neemias, também, remete-nos para a escolha dos porteiros em nossas igrejas locais. Esta função, que muitos vêm com desprezo, é importantíssima e até o descuido de alguns na escolha dos porteiros é um dos principais fatores para a situação lamentável da evangelização em muitos lugares. Os porteiros, em nossas igrejas locais, devem ser pessoas muito preparadas, revestidas do poder de Deus, que possam não só persuadir os transeuntes a adentrar em nossos templos para assistir aos cultos, mas serem gentis, dóceis e solícitos , de modo a serem verdadeiros “cartões de visita” de nossas igrejas locais. De nada adianta toda uma estrutura para se servir a Deus se não houver “porteiros” que tornem tudo funcional e útil. Aprendamos com Neemias e tenhamos este mesmo cuidado, líderes na casa do Senhor!

Ao apontar os porteiros, Neemias deu-lhes a ordem para que não se abrissem as portas de Jerusalém até que o sol se aquecesse, devendo as portas ser fechadas e trancadas, devendo ser, ainda, postos guardas dos moradores de Jerusalém, cada um na sua guarda, e cada diante da sua casa (Ne.7:3).

As portas de Jerusalém tinham de se manter fechadas durante a noite. Temos aqui uma linda lição espiritual: nossas portas devem se fechar quando as trevas comparecerem. Não podemos permitir que o pecado, representado pela escuridão, tenha entrada em nossa vida. Por isso, o apóstolo Paulo nos adverte para que não demos lugar ao diabo (Ef.4:27).

As portas tinham de ser fechadas e trancadas. Não bastava “encostar” a porta, mas elas deviam devidamente trancadas. Não podemos ser negligentes, mas zelosos em servir a Deus, tomando todo o cuidado para que não permitamos a entrada do mal em nossas vidas. Por isso, o autor da epístola aos hebreus recomenda-nos para que não só deixemos o pecado, como também o embaraço, coisas que não são em si pecaminosas mas que podem nos levar ao pecado (Hb.12:1). Não basta fechar, é preciso, também, trancar as portas!

A vigilância é reforçada na ordem de Neemias. Além de fechar e trancar as portas, deviam ser postos guardas dos moradores de Jerusalém, cada um na sua guarda e cada um diante da sua casa. A vigilância das portas, tarefa do governo da cidade, era feita, mas cada morador devia também fazer a vigilância diante de sua casa. Que linda lição para cada crente, principalmente para aqueles que acham que só os ministros e responsáveis pelo governo da igreja devam se preocupar com a vigilância. Esta é uma tarefa de cada um de nós: todos nós devemos ser zelosos, cada um tem de ter cuidado de si mesmo para, então, poder contribuir com o cuidado de todos (I Tm.4:16).

Temos posto guardas diante de nossas casas? Como está a vigilância em nossos lares, em nossas famílias? Temos, como cônjuges, como pais, como filhos, cuidado para que o inimigo não tenha entrada em nossas casas? Ou será que as mensagens satânicas têm pleno acesso através dos meios de comunicação de massa, da internet e de tantas outras coisas tenebrosas que o inimigo têm lançado contra os servos do Senhor? Será que nossas casas têm “guardas”?

Neemias, além de pôr porteiros e guardas, também tratou de estabelecer cantores. Pode parecer estranho que Neemias tenha procurado pôr cantores depois da conclusão da obra de reedificação. Esta estranheza é resultado de um pensamento precipitado de que os cantores teriam sido postos nas portas de Jerusalém ou nos muros. Entretanto, não é isto que o texto sagrado nos revela.

Ao estabelecer cantores, Neemias mostra-nos que, em virtude da situação de grande miséria e desprezo que vivia Jerusalém, o serviço de louvor do templo não estava a funcionar. A situação era de tanta tristeza e miséria, que não havia como se manter o serviço do louvor no templo, não só diante da insegurança reinante, mas também pela própria situação emocional e espiritual adversa a qualquer manifestação de alegria, que é o que representa o cântico (Tg.5:13).

Superada a insegurança, concluída a obra pela benignidade divina, Neemias logo entendeu que se devia restabelecer o serviço de louvor do templo e, por isso, designou cantores. Neemias não podia admitir uma situação de restauração, de renovo sem que houvesse o perfeito louvor.

O louvor deve acompanhar a adoração ao Senhor. Não pode o povo de Deus, edificado e salvo pela graça e misericórdia de Deus, calar-se e deixar de louvar ao Senhor. É com tristeza que vemos, nos dias hodiernos, muitos que cristãos se dizem ser desprezarem, por completo, o cântico e o louvor, tanto que chegam atrasados aos cultos, depois do momento litúrgico do louvor. Aprendamos com Neemias e não permitamos que deixe de haver em nossas vidas espirituais os cantores que completam a obra de nossa edificação espiritual.

Neemias, também, estabeleceu levitas, que eram auxiliares dos sacerdotes no serviço do templo. Observemos, aliás, que, ao contrário do que se costuma dizer hoje em dia, “levita” não se confunde com o músico. Os levitas eram os descendentes de Levi, a tribo que havia sido designada para o serviço do templo. Os filhos de Arão eram sacerdotes e todos os demais levitas foram encarregados dos mais diversos e variados serviços no tabernáculo e, posteriormente, no templo, inclusive a parte musical. Portanto, não confundamos “levita” com “músico”.

O cuidado de Neemias de estabelecer levitas reflete a sua preocupação em que nada ficasse por fazer no serviço do templo. Neemias não se preocupava apenas em ter muros e portas, mas queria que a segurança trazida por estes muros e portas pudesse restaurar todos os serviços do templo. Os líderes precisam ter este mesmo zelo, de fazer com que todas as tarefas, todos os serviços necessários para a igreja local sejam realizados a contento. Não basta apenas termos edificação espiritual, mas é preciso que esta edificação se traduza em serviço eficaz, até porque a Igreja, como corpo de Cristo, veio para servir e não para ser servida.

Após estabelecer porteiros, cantores e levitas, Neemias nomeou seu irmão Hanani e a Hananias como maiorais da fortaleza sobre Jerusalém, porque era como homem fiel e temente a Deus, mais do que muitos (Ne.7:2).

A nomeação de Hanani como maioral da fortaleza, seu irmão, pode trazer a Neemias a acusação de “nepotismo”, ou seja, “favoritismo para com parentes”, mal que infesta a Administração Pública em nosso país e que, infelizmente, também já encontrou guarida na administração eclesiástica. Muitos, aliás, buscam nesta passagem bíblica até uma “fundamentação” para suas práticas pouco ou nada recomendáveis nas igrejas locais.

Contudo, quando vemos o próprio texto sagrado, contemplamos em Neemias mais uma virtude como líder e governante (como, aliás, já visto no apêndice 1). Hanani foi nomeado não por ser seu irmão, mas porque “era homem fiel e temente a Deus, mais do que muitos”. O parentesco aqui era apenas um acidente, que não foi considerado na nomeação. Não nos esqueçamos, aliás, que Hanani fora até Jerusalém e, ao ver a situação, levou alguns de Judá para falar com Neemias a respeito da situação de Jerusalém. Era uma pessoa que tinha história na obra do Senhor e que, portanto, fazia jus àquela nomeação, independentemente do parentesco que tinha com o governador.

Neemias faz questão de dizer que nomeara o seu irmão por causa do temor dele a Deus, que superava o de muitos. Um critério para pormos alguém à testa da obra do Senhor é, precisamente, o seu temor a Deus, que deverá ser superior ao dos demais. Como é diferente o critério de Neemias do que temos visto em nossas igrejas locais! Aprendamos com Neemias!

Neemias, em mais uma demonstração de transparência, não deixou que Hanani, apesar de suas qualidades, estivesse sozinho como maioral da fortaleza. Ao seu lado, pôs Hananias nesta função. Deste modo, não deixou qualquer suspeita com relação ao fato de Hanani ser seu irmão, como também nos dá uma amostra da própria criteriologia que seria adotada pelo Senhor Jesus na evangelização do povo judeu, durante Seu ministério público, ou seja, o de sempre chamar de dois em dois, para que o serviço seja eficaz (Lc.10:1). É sempre importante, nas tarefas da igreja, serem indicados dois, para que um ao outro possa ajudar.

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