Qual a Relação Entre Música e Espiritualidade?
Por Yara Caznok
Desde que o homem
registrou sua presença e suas formas de vida [...], a música o
acompanha. A expressão sonora faz parte de nossa maneira de pensar e de sentir,
e isso se verifica em todas as culturas – não há sociedade sem música. O som,
por ser um fenômeno vibratório, uma energia que não tem concretude material e
visual, muitas vezes é tomado como sendo a manifestação do mundo inominável da
incorporeidade, do invisível e, por extensão, do sagrado.
Para muitas culturas,
os sons, quando transformados em música, são capazes de dar forma e de
exteriorizar essa dimensão imaterial da vida humana que, por meio de outros
conhecimentos, se torna quase inacessível. Já na Grécia antiga, os poderes
encantatórios da música podem ser encontrados no mito de Orfeu, o músico-poeta
que transformava o cosmos interior dos seres – animais, humanos, vegetais,
minerais – por meio de sua música. Seja como percepção da manifestação de uma
divindade ou como possibilidade de comunicação com ela, a música foi e ainda é
considerada o veículo mais apropriado para dar forma aos conteúdos espirituais.
No mundo cristão, desde os primeiros registros que se tem dos cantos monódicos
– século I – até às composições contemporâneas, a ligação da música com a
espiritualidade tem se firmado e se constituído em um terreno fértil, de mútuo
apoio e legitimação [...].
Um dos princípios da
música cantada – tirar o texto de sua imobilidade e dar-lhe vida – guiou a
produção musical durante muitos séculos, desenvolvendo-se tanto no repertório
sacro como no profano. Podemos avaliar esse poder quando eliminamos a melodia
de uma canção e apenas declamamos sua letra – fica “sem graça, sem élan” e esta
é uma das primeiras experiências que aprendemos desde crianças. No caso da
música religiosa, é a voz da divindade que, quando entoada, coloca em movimento
a energia afetivo-espiritual de seu conteúdo, fazendo-nos vivê-la
integralmente.
É possível ter essa
vivência com Johann Sebastian Bach , por exemplo, um dos mais fervorosos
compositores luteranos do século XVIII. Sua capacidade de fazer o Verbo se
tornar realidade vivida – emocional, espiritual e física, inclusive – o coloca
entre os mais poderosos e inspirados compositores do gênero “concertos para a
alma” ou, “concertos espirituais”, que a história da música ocidental até hoje
conhece. No século XIX, quando a música instrumental já havia conquistado sua
autonomia, a escuta musical se torna uma verdadeira vivência mística: a fala da
e com a interioridade, o encontro com a contemplação e o diálogo sem palavras
com Deus. Contemporaneamente, há uma gama infinita de combinações e
aproximações entre música (s) e espiritualidade (s), nem todas elas bem
sucedidas... De qualquer forma, há que se acercar do tema com o critério inegociável
da qualidade musical e com a crença que a estesia, a capacidade de perceber a
beleza e de se deixar envolver por ela, é um convite que a música nos oferece
para momentos de transcendência e de encontro com os inefáveis mistérios que a
vida encerra.
Fonte:
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4656&secao=403
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