Dietrich Bonhoeffer: uma vida de pastor
Por Pietro Citati
A família de Dietrich Bonhoeffer era uma dos grandes famílias
aristocráticas da Alemanha luterana. Os von Hase,
aos quais a mãe pertencia, tinham estreitos laços com a corte imperial: a casa
de Berlim,
próxima de Tiergarten,
tinha muros comuns com o Parque
de Bellevue, onde brincavam os filhos do imperador. Não havia
ramo da cultura alemã aos quais os Bonhoeffer e os von
Hase não
estivessem ligados: teologia, música, filosofia, psicologia, psiquiatria,
física, pintura, escultura.
O pai de Dietrich, Karl,
neurologista e psiquiatra, não se declarava cristão. Mas toda a família estava
embebida pelo profundo sentimento religioso da mãe, cujo avô, Karl August von Hase,
havia sido um teólogo famoso. Quando os pais e os filhos se reuniam na casa
muito espaçosa da Breslávia e depois de Berlim e nas belas casas alpinas, sempre se
sentia – como Dietrich escreveu à sua avó – que dom era ser
uma grande família, que vivia no sopro e no abraço do Senhor.
Dietrich, que nasceu em 1906,
tinha sete irmãos: Sabine era a sua irmã gêmea. Aos oito anos,
ele começou a receber aulas de piano e a ler as partituras com grande
habilidade. Aos 10 anos, executava as sonatas de Mozart.
Aos 14, compôs uma cantata sobre o sexto versículo do Salmo 42,
"A minha alma está abatida"; depois, sentava-se ao piano e
improvisava O
Cavaleiro da Rosa.
Por muito tempo pensou em
se dedicar à carreira musical; e a música sempre continuou representando uma
parte essencial da sua vida, que o ligava à família no pensamento. Aos 14 anos,
teve a impressão de que Deus o tinha pego e declarou que seria teólogo. Estudou
um ano em Tübingen,
sete semestres em Berlim,
obtendo o doutorado em 1927, aos 21 anos. A sua tese foi intitulada Sanctorum Communio.
Desde a juventude, sofreu
a profunda influência de Karl Barth, que, em 1922, tinha
publicado o comentário à Epístola
aos Romanos: amava a sua fogosa e analítica arte de discutir.
Apesar de algumas polêmicas, manteve-se sempre seu amigo e confidente:
enquanto, no pós-guerra, Barth resenhou entusiasticamente os livros
de Bonhoeffer.
Ele
tinha aprendido com os seus familiares um férreo autocontrole: haviam lhe
ensinado que abandonar-se às emoções "era um excesso de indulgência para
consigo mesmo", e se defendia de si mesmo com a precisão e o rigor da
linguagem. Sentia-se dominado por uma espécie de obscura ambição, à qual ele
venceu apenas com a Bíblia. A sua vida era plena: concertos, teatros, mostras
de arte, viagens no Schleswig-Holstein,
nas Dolomitas e a Veneza.
Era vital, cheio de frescor, ardente, impulsivo, curioso, cheio de comunicação:
"Ele realmente anunciava – disse um amigo – o Evangelho às pessoas da
rua": abria-se falando com todas as pessoas; amava e pronunciava a
verdade; fascinava os amigos e os estudantes; ria de bom grado.
"Quando Bonhoeffer andava por aí – disse outro amigo –
sempre havia muito humor". Mas ele não abandonava o rigor da linguagem,
porque sabia que, mesmo no riso, deve se esconder uma soberana precisão. Pouco
a pouco, a Bíblia o possuía, ele se sentia invadido pela felicidade cristã.
Enquanto avançava na incompreensível revelação, no mistério de Cristo, dava-se
conta de que "a alegria autêntica é sempre algo incompreensível, seja para
os outros, seja para quem a experimenta".
Ele lia a Bíblia incessantemente,
porque acreditava que somente a Bíblia era a resposta para todas as nossas
perguntas. "Se esperamos da Bíblia uma resposta definitiva, ela no-la
fornece? Deus nos dá a sua palavra, e com ela Ele nos leva a buscar um
conhecimento cada vez mais rico e um dom cada vez mais esplêndido. Quanto mais
recebemos, mais devemos buscá-lo; e quanto mais buscamos, mais recebemos d'Ele.
Uma vez que a palavra de Deus chegou até nós, podemos dizer: eu te busco com
todo o coração. Ele nos quer por inteiro".
Ele
lia a Bíblia de manhã e à noite, muitas vezes durante o dia: a cada dia, ele
escolhia um texto, que mantinha presente durante a semana, tentando mergulhar
totalmente nele. Às vezes, detinha-se por horas e dias em uma única palavra
antes de ser iluminado com o conhecimento certo. Ele lia os Salmos e os fazia ler e recitar aos seus
alunos. Jesus morreu na cruz com as palavras dos
Salmos nos lábios: esse era o fato decisivo.
Ainda na sua juventude,
ele foi um grande teólogo. Discipulado (Ed. Sinodal, 1980 [1937]), a sua
obra-prima, é um dos pouquíssimos verdadeiros textos teológicos do século
passado. Mas, enquanto estudava, ele pensava, construía um sistema teológico,
se sentia impaciente e prisioneiro. A sua vocação mais profunda era a de
pastor: rezava, pregava a um grupo de pessoas, reunidas ao seu redor como a um
ninho quente.
"Os
seres humanos – escrevia – precisam de pastores: Cristo era o pastor, nós devemos ser pastores
de homens mediante ele e como ele". Ele pregava às crianças, sobretudo
durante o ano que passou em Barcelona,
durante o de Nova
York; e depois de novo em Berlim,
onde deu um memorável curso aos crismandos de um bairro operário pobre.
"Se não conseguimos
comunicar às crianças – proclamou – as ideias mais profundas sobre Deus e a
Bíblia, então há algo que está errado". "Quando vocês o viam pregar –
lembra uma velha amiga –, vocês viam um jovem irresistivelmente tomado por
Deus".
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522853-bonhoeffer-a-guerra-das-duas-cruzes-artigo-de-pietro-citati
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