O Surgimento do Liberalismo Teológico
Por Augustus N. Lopes
A melhor maneira de compreender a
origem do termo “fundamentalista” é entender o crescimento do liberalismo teológico radical nas principais
denominações históricas dos Estados Unidos no final do século XIX e
início do século XX. O liberalismo era, demuitas maneiras, um fruto
do Iluminismo, movimento surgido no início do século XVIII
que tinha em seu âmago uma revolta contra o poder da religião
institucionalizada e contra a religião em geral. As pressuposições
filosóficas do movimento eram, em primeiro lugar, o Racionalismo de Descartes, Spinoza e
Leibniz, e o empirismo de Locke, Berkeley e Hume. Os efeitos combinados
dessas duas filosofias — que mesmo sendo teoricamente contrárias entre
si concordavam que Deus tem de ficar de fora do conhecimento humano — produziu profundo impacto na teologia cristã.
Em muitas universidades cristãs,
seminários e igrejas da Europa, e, posteriormente, nos Estados Unidos, as idéias racionalistas começaram
a ganhar larga aceitação. Não é que os teólogos se tornaram ateus ou
agnósticos mas, sim, que procuraram compatibilizar a crença em
Deus com os postulados do Racionalismo. Muitos teólogos passaram a afirmar a existência de Deus, mas negavam sua intervenção
na história humana, quer através de revelação, quer através de milagres ou
da providência.
Como resultado da
invasão do Racionalismo na teologia, chegou-se à conclusão de que o sobrenatural não invade a história. A história passou a ser vista como simplesmente
uma relação natural de causas e efeitos. O conceito de que Deus se revela ao
homem e de que intervém e atua na história humana foram excluídos “de cara”.
Como consequência, os relatos bíblicos envolvendo a atuação miraculosa de Deus
na história, como a criação do mundo, os milagres de Moisés e os milagres de
Jesus passaram a ser desacreditados. Já que milagres não existem, segue-se
que esses relatos são fabricações do povo de Israel e, depois, da Igreja, que
atribuiu a Jesus atos sobrenaturais que nunca aconteceram historicamente.
Para se interpretar corretamente
a Bíblia, seria necessária uma abordagem “não religiosa”, desprovida de conceitos do tipo “Deus se revela”, ou “a
Bíblia é a revelação infalível de Deus” ou ainda, “a Bíblia não pode errar”.
Teólogos protestantes que adotaram essa abordagem crítica (que
consideravam como “neutra”) justificavam-se afirmando que a Igreja Cristã,
pelos seus dogmas e decretos, havia obscurecido a verdadeira mensagem das
Escrituras. No caso dos Evangelhos, os dogmas dos grandes concílios ecumênicos acerca da divindade de Jesus
haviam obscurecido a sua figura humana e tornaram impossível, durante
muito tempo, uma reconstrução histórica da sua vida. Essa impossibilidade, eles afirmavam,
tornou-se ainda maior após a Reforma, quando a exegese dos Evangelhos e da
Bíblia em geral passou a ser controlada pelas confissões de fé e pela teologia
sistemática.
Os estudiosos
críticos argumentaram ainda que, para que se pudesse chegar aos fatos por detrás do surgimento
da religião de Israel e do cristianismo, seria necessário deixar para
trás dogmas e teologia sistemática, e tentar entender e reconstruir
os fatos daquela época. O principal critério a ser empregado nessa
empreitada seria a razão, que os racionalistas
entendiam como sendo a medida suprema da verdade. As ferramentas a serem usadas
seriam aquelas produzidas pela crítica bíblica, como crítica da forma, crítica
literária, entre outras. Assim, muitos pastores e teólogos que criam que a
Bíblia era a Palavra de Deus, influenciados pela filosofia da
época, tentaram criar um sistema de
interpretação da Bíblia que usasse como critério o que fosse racional ao homem moderno,
dando origem ao chamado “método histórico-crítico” de interpretação bíblica.
Os estudiosos
responsáveis pelo surgimento e desenvolvimento inicial do método crítico
defendiam que o “dogma” da inspiração divina da Bíblia deveria ser deixado fora
da exegese, para que a mesma pudesse ser feita de forma “neutra”.
Seguiu-se a separação entre Palavra de Deus e Escritura Sagrada,
rejeitando-se o conceito da inspiração e
infalibilidade da Bíblia. Surge a idéia de “mito” na Bíblia, que era amaneira
pela qual a raça humana, em tempos primitivos, articulava aquilo que não conseguia
compreender. Segundo os exegetas críticos, as fontes que os autores bíblicos usaram
estavam revestidas de “mitos”, ou lendas criadas por Israel e pela Igreja apostólica. O surgimento da dialética de Hegel
marcou esta fase. Hegel oferecia uma visão
da história sem Deus, explicando os acontecimentos, não em termos da intervenção
divina, mas em termos de um movimento conjunto do pensamento, fazendo sínteses
entre os movimentos contraditórios (tese e antítese).
A tentativa de
unir o Racionalismo com a exegese bíblica não produziu um resultado satisfatório.
Ficou-se com uma Bíblia que deixou de ser a Palavra de Deus para se tornar o testemunho
de fé do povo de Israel e da Igreja Primitiva. Como resultado, surgiu um movimento dentro do cristianismo que se
chamou liberalismo, o qual rapidamente influenciou as igrejas
cristãs na Europa, e de lá, seguiu para os Estados Unidos, onde defendia os
seguintes pontos:
1. O
caráter de Deus é de puro amor, sem padrões morais. Todos os homens são seus filhos e o pecado não
separa ninguém do amor de Deus. A paternidade de Deus e a filiação divina são
universais.
2. Existe
uma centelha divina em cada pessoa. Portanto, o homem, no íntimo,
é bom, e só precisa de encorajamento para fazer o que é certo.
3. Jesus
Cristo é Salvador somente no sentido em que ele é o exemplo perfeito do homem. Ele é Deus somente no sentido de que tinha
consciência perfeita e plena de Deus. Era um homem normal, não
nasceu de uma virgem, não realizou milagres, não ressuscitou dos mortos.
4. O
cristianismo só é diferente das demais religiões quantitativamente e não qualitativamente. Ou seja, todas as religiões são boas e levam à
Deus; o cristianismo é apenas a melhor delas.
5. A
Bíblia não é o registro infalível e inspirado da revelação divina,
mas o testamento escrito da religião que os
judeus e os cristãos praticavam. Ela não fala de Deus, mas do que estes criam
sobre ele.
6. A
doutrina ou declarações proposicionais, como as que encontramos nos credos e
confissões da Igreja, não são essenciais ou básicas para o cristianismo, visto que o que molda e forma a
religião é a experiência, e não a revelação. A única coisa permanente
no cristianismo, e que serve de geração a geração, é o ensino moral de
Cristo.
Nem todos os
liberais abraçavam todos estes pontos, e havia diferentes manifestações do
liberalismo. Entretanto, todas elas estavam enraizadas no racionalismo (só a ciência tem a verdade) e no naturalismo (negação da intervenção criadora de Deus no
mundo) e queriam adaptar as doutrinas do
cristianismo à moderna teoria científica e às filosofias da época.
Fonte: LOPES, Augustus N. Série Cadernos Bíblicos (vol. 2) Fundamentalismo e Fundamentalistas.
pp. 5-7 Disponível em http://provaievedeapalavra.blogspot.com/2012/01/fundamentalismo-e-fundamentalistas.html
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