O Culto Pentecostal Que Não Deu Certo 2/4

Por Caramuru A. Francisco

Quem resiste à ordem do Senhor revela apenas prepotência, auto-suficiência, demonstra que não há arrependimento mas, tão somente, um remorso, remorso este que não poderá dar qualquer fruto para a vida eterna.

Se Judas Iscariotes tivesse retornado para o local onde havia caído, para a presença do Senhor, para o convívio do Mestre, se a ele tivesse recorrido para pedir perdão, para reconsiderar o seu beijo traidor com as lágrimas aos pés do Senhor, a exemplo daquela mulher que tanto recriminara alguns dias antes da traição, certamente teria recebido do seu amigo (pois foi assim que Jesus se identificou a Judas no momento da traição, Mt.26:50, deixando, assim, o caminho livre para uma reconciliação) o perdão e a restauração.
Mas Judas não quis voltar para aquele lugar, não aceitou lembrar-se de onde tinha caído mas, antes, preferiu voltar até ao templo, onde pensou obter o perdão dos sacerdotes, que, entretanto, nada lhe podiam fazer. O resultado outro não poderia ser: morte e perdição.

Em Quiriate-Jearim, deveria o povo se lembrar daquele concerto que estava há quase um século esquecido. Deveria se lembrar que o Senhor habitava entre os querubins, como figurava a arca, que reinava sobre todo o Universo, que era santo e que não havia escolhido Israel por ser ele um povo forte, bom ou poderoso, mas, muito pelo contrário, precisamente porque era Deus, escolhera o povo mais débil e menos numeroso, para confundir as coisas que são com as que não são.
Em Quiriate-Jearim, o povo deveria se lembrar que Deus lhe escolhera pela Sua infinita misericórdia e que Sua glória era tremenda, a ponto de o povo não Ter suportado uma pequena manifestação quando da entrega da Lei.
Em Quiriate-Jearim, o povo deveria se lembrar que, quando da entrega das tábuas da Lei a Moisés, apesar de toda a demonstração de poder, o povo havia feito para si um bezerro de ouro, mas que Deus demonstrara, uma vez mais, Seu amor para com aquele povo, deixando de destruí-lo, a pedido de Moisés.
Em Quiriate-Jearim, o povo deveria se melbrar de todos os ditames da Lei, deveria relembrar todos os mandamentos, verificar quais eram as ordenanças de Deus e, assim, retomar o curso da obediência e da rigorosa observância da vontade de Deus.

Todavia, embora o povo estivessem em Quiriate-Jearim, esmbora estivesse todo ele reunido, embora houvesse alegria e, com certeza, toda a alegria por parte daquela bonita multidão, composta de todos os sacerdotes, de todos os levitas, de todos os soldados e de muitos moradores, não havia real disposição para um arrependimento, para uma consagração a Deus.

Muitas das reuniões que hoje se realizam no meio do povo de Deus, notadamente entre aqueles que se dizem pentecostais e, portanto, que dizem dar plena liberdade à atuação do Espírito Santo, são idênticas ao ajuntamento de Quiriate-Jearim.
Nelas, como em Quiriate-Jearim, há muito povo, povo de todas as partes, sem exceção de qualquer cidade, bairro ou vila da denominação, ministério ou comunidade.
Nelas, como em Quiriate-Jearim, há sacerdotes, levitas (os obreiros não consagrados e os auxiliares litúrgicos em geral), também de todas as partes, sem qualquer exceção.
Nelas, está presente também o rei, seu exército e todos os anciãos (entendido aqui como o líder ou líderes máximos), bem como os cantores e instrumentistas.
Nelas há uma grande confraternização e, como não poderia faltar, muita alegria, com festa, folguedo e toda sorte de emoção, como havia em Quiriate-Jearim, mas faltava a disposicão de coração, a real intenção de servir a Deus.
Como podemos afirmar que lá não havia a disposição de servir a Deus, de realmente se iniciar uma caminhada conforme a direção e a vontade de Deus ?
Simplesmente porque o versículo 7 nos informa que, ao lado dos cânticos, dos alaúdes, das harpas, dos címbalos e das trombetas que faziam a alegria do culto e que, certamente, assemlhava a reunião com os "cultos pentecostais" dos dias atuais, estavam a levar a arca de Deus num carro novo.
Ora, poder-se-ia dizer, que mal haveria em se levar a arca de Deus num carro novo ?
Com efeito, se havia um carro novo para levar a arca de Deus é porque algum denodado servo de Deus, com a mais pura das intenções, havia se esforçado para que, não só ele, mas todo um grupo de israelitas, assim que souberam da disposição do rei Davi em levar a arca até Jerusalém, iniciassem esta árdua tarefa de construir um novo carro, fazer um carro especialmente para levar a arca de Deus.

Certamente, estavam se lembrando do episódio segundo o qual a arca havia ido até Quiriate-Jearim, ou seja, através de um carro de bois, no qual havia uma oferenda de hemorróidas de ouro, através do qual os filisteus tinham tentado aplacar a ira do Senhor durante o tempo em que a arca esteve nas cidades filistinas.
Mas, como não havia real disposição para se lembrar do passado, do motivo pelo qual a arca tinha estado nas mãos dos filisteus, preocuparam-se não em saber porque a arca tinha estado com os tradicionais inimigos dos hebreus, mas em fazer um carro novo, com certeza mais bonito, mais puro, bem mais confortável que o que fora feito pelos filisteus.
Não temos dúvida de que o carro novo era belo, deslumbrante mesmo e que deve até ter impressionado o rei Davi, que ficara sensibilizado com tamanha obra de arte que nem se importou, ou quem sabe, até concordou que seria o adequado meio de transporte para a viagem da arca até Jerusalém.
Este é o problema de se estar pensando segundo a lógica humana, de se estar fora da direção e da vontade de Deus.
Davi, bem intencionado e emocionado com toda a confraternização que se realizava, não pôde discernir espiritualmente o que significava a utilização de um carro novo parta se levar a arca de Deus.
Era terminantemente proibido o transporte da arca de Deus por meio de um carro.
Segundo a lei, a arca deveria ser sempre transportada pelos sacerdotes em varais especialmente feitos para isso (Nm.4:10), não antes de a arca ser coberta pelo véu e este com peles de teixugos e um pano todo de azul (Nm.4:6).
A arca deveria ser carregada pelos sacerdotes, em varais, daí porque ter a arca argolas (Ex.25:12), pois não poderia ser vista nem tocada, numa clara demonstração de que, em virtude do pecado, não poderia haver comunicação direta entre Deus e os homens.
Todavia, ao invés do peso da arca, ao invés do trabalho de ter de trazer o véu, a cobertura de pele e o pano todo azul lá do tabernáculo, que se encontravam em Nobe, de arrumar os varais e levar todo aquele peso, era muito mais atraente e fácil fazer um carro novo e levar a arca deste modo em meio a cânticos e sonidos de instrumentos.

Este é, lamentavelmente, o comportamento de muitos crentes nos dias hodiernos.
Preferem as facilidades, o caminho mais curto, o meio mais fácil para servir a Deus, a o modo indicado pelo Senhor, esquecendo-se do que diz a Sua Palavra.
O carro novo é mais atraente, é mais cômodo, é muito mais popular, emocionando a muitos e permitindo que todos possam se alegrar mais rapidamente.
Sim, não há como fugir à tentação de ceder ao charme, à aparência do carro novo.

Quem levava o carro novo eram bois, mantendo-se os sacerdotes no ócio, apenas no louvor a Deus, seja cantando, seja tocando os instrumentos. Que maravilha! Que grande mudança para bem dos homens que se dispõem a servir a Deus!
Este é o que pensam os que querem modernizar a Igreja do Senhor. Os que vêem nas inovações tecnológicas, no desenvolvimento da Humanidade um pretexto para suavizar os rigores da doutrina, as exigências e responsabilidades do cristão.
Quem busca o carro novo é aquele que só quer saber dos supostos direitos do cristão, das supostas obrigações do Senhor, não raro transformado em um Senhor nominal mas que é, nas suas concepções, tão somente um super-empregado, alguém que é obrigado a satisfazer os desejos do crente na hora, no modo e na medida do coração do suposto servo, o verdadeiro senhor, já que tudo determina à sua boa-vontade.
Quem busca o carro novo, não tem qualquer responsabilidade sobre seus ombros, não tem necessidade de fazer qualquer esforço para servir a Deus, serve do seu modo, em meio a muitos cânticos e sons de instrumentos, de uma forma bem mais suave, chegando, mesmo, a dizer que assim é que se deve servir a Deus, pois "seu fardo é leve e seu jugo é suave".
Este pensamento, lamentavelmente, tem prevalecido em muitos lugares no meio do povo de Deus e tem desviado muitos da vontade do Senhor.
Assim como ocorria naquela festividade em Quiriate-Jearim, em muitos lugares, em muitas festividades existentes no meio do povo de Deus, tem-se preferido colocar o carro novo, tem-se adotado o carro novo, ao invés de se cumprir o que manda a Palavra do Senhor.
Os sacerdotes, que são nada mais nada menos que os próprios servos do Senhor na atual dispensação, que somos nós (I Pe.2:9), Sua Igreja, preferem construir um carro novo a ter de levar sobre seus ombros, em varais determinados por Deus, o peso, a responsabilidade da arcaç que é o símbolo da presença do Senhor.

Quantos não têm preferido servir a Deus em cultos recheados de louvores (quando não só de louvores, os chamados "louvorzões"), com pequeníssimo espaço para a Palavra de Deus, ao invés de buscarem meditar na Palavra, na doutrina, para melhorarem seus ca minhos ?
Quantos não têm preferido discutir dilemas bíblicos, pontos obscuros das Escrituras, costumes sociais a verificarem o que a Palavra de Deus tem a lhes dizer sobre sua ética, sobre suas atitudes cotidianas, sobre seu proceder perante a Igreja e perante os incrédulos ?
Quantos não têm procurado êxtases, novidades espirituais, verdadeiros "shows", ao invés de um real confronto e auto-exame entre sua vida, seu dia-a-dia e a Palavra de Deus, de uma vida de consagração, de oração e jejum, para desfrutar, ele próprio, de uma real porção da graça do Senhor ?
Estes são os que estão a procurar e a empenhar seu tempo no carro novo, tal qual ocorria com aquela grande multidão, que tinha, inclusive, a conivência do rei Davi, um rei segundo o coração de Deus.

Com certeza, Davi se deixou influenciar pela quantidade de presentes, pelo belo e agradável som dos instrumentos, pela multidão dos cantores, enfim, pelas aparências, que indicavam, enganosamente, que se estava diante de um grande e inédito culto de toda a Nação, que estaria sendo do imenso agrado do Senhor.
Ledo engano, que muitos líderes, hoje, repetem, entusiamando-se com a quantidade, com as multidões, com a popularidade, com as massas, esquecendo-se de que o primoridal, o mais importante é se ter não um ajuntamento, como o que havia em Quiriate-Jearim, mas uma reunião que agrade a Deus e não era o caso daquela grande festividade.
A festividade fora convocada para que o povo pudesse retomar a responsabilidade para com Deus, para que o povo recobrasse sua memória e tornasse a dar o devido lugar para a aliança com Deus, mas se convertera numa ode, num louvor a esta mesma e já secular vida descompromissada com Deus.
Ao invés de se lembrar de onde caíra, ao invés de reiniciar uma vida com Deus em seu devido lugar, qual seja, o primeiro de todos, conforme o mandamento, o povo aproveitava a ocasião para, mais uma vez, revelar que estavam servindo a Deus ao seu próprio modo, que estavam perseverantes no seu propósito de conservarem seus intentos, suas ambições, seus desejos acima do Senhor. Mantinham-se firmes em seu egoísmo espiritual, em colocar o "eu", a auto-suficiência no seu plano primeiro de suas existências.
O engano, o desvio para com o modelo bíblico era tanto que, por incrível que pudesse parecer, que os levitas nem sequer haviam sido convocados para levar a arca de Deus, como se pode entender pelo que se contém em I.Cr.15:2, quando, após a tragédia de que ora se fala, Davi caiu em si e foi buscar a direção do Senhor para que a arca pudesse ser trazida para Jerusalém.
Ora, nem mesmo as pessoas que Deus havia determinado para tão importante serviço haviam sido lembradas para ele!
Havia um clima de festança totalmente alheio à Palavra de Deus e à Sua vontade. Havia, sim, muito barulho, mas nenhuma espiritualidade. Havia muita vontade de servir a Deus, mas Deus não se fazia presente, precisamente porque o povo queria servir a Deus a seu modo e não da forma determinada pelo Senhor.
Grande perigo é este que corre o povo de Deus, o de passar a querer, ele próprio, estabelecer os parâmetros, os limites e as condições do serviço a Deus.
Quando assim começa a agir, o povo envereda por um caminho que somente trará a morte e a tragédia espirituais.

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