Onde Deixamos o Nosso Deus?

Em uma pequena igreja do interior do país, um dupla era famosa por aquilo que fazia, e deixava de fazer. Eram dois garotos que por mais que se esforçassem não deixavam de ficar no foco das atenções daquela pequena comunidade. Que, pelo visto, não tinham tanta coisa assim com que se preocupar.
O problema era que esses dois meninos eram os mais arteiros da igrejinha, e todo o que acontecia ali, mais cedo ou mais tarde, descobria-se que os culpados eram os dois garotos.

Em um domingo de igreja cheia, o pastor levantou-se para pregar o seu sermão dominical; e para impactar os seus membros começou o seu sermão com a seguinte indagação: “Onde está Deus?”. A Igreja silenciou. O pastor com mais ênfase gritou três vezes seguidas: “Onde está Deus?!”, “Onde está Deus?!!”, “Onde está Deus?!!!”. Quando o pastor se preparava para repetir sua indagação introdutória pela quarta vez, um dos garotos cutucou o outro e disse: Vamos sair daqui, perderam Deus e vão colocar a culpa em nós!

Talvez você já conheça esta história. Ou talvez ela tenha se mostrado interessante para você. Porém, a olhar para nosso tempo e nossa sociedade a sensação que tenho é que ela, e muitos de nós também, perdemos Deus e precisamos a todo custo ouvir o clamor inquieto daqueles que dizem a essa geração: Onde está Deus?

No distante ano de 1955, na Semana dos Intelectuais Católicos, o Nobel de literatura e pensador católico François Mauriac (1885 - 1970), falando a teólogos e intelectuais, disse em um lampejo de sabedoria e discernimento:

“Nós raptamos ao Senhor e o resto do mundo não sabe onde o pusemos... talvez a grandeza do século a que pertencemos esteja em tornar Cristo acessível, se assim me posso exprimir, ao resto do mundo” [1]

Como grande conhecedor da angústia em que estavam mergulhadas as pessoas do seu tempo, o autor nos faz pensar se grande parte dessa angústia não seria fruto da falta de sensibilidade dos intelectuais religiosos de sua época; que, sob a égide de uma pretensa sabedoria, haviam “raptado o Senhor” e O escondido em meio aos seus raciocínios lógicos e infrutíferos. Se assim o é, e o co-texto nos faz pensar que sim, a afirmativa seria um alerta mais que contundente - para eles e para nós - sobre a nossa responsabilidade como formadores de opinião, e do nosso lugar como representantes de Deus no mundo, ou, como diz Pedro, “embaixadores”. Todavia essas verdades não se aplicam só intelectuais, mas a todos aqueles que furtam ao outro o privilégio de conhecer o verdadeiro Deus.

A frase nos faz lembrar o apóstolo Paulo quando escrevendo aos Romanos conclui que os homens, por encherem o seu coração de raciocínios vãos, esquecem de glorificar a Deus e de O reconhece como Senhor. Diz ele:

“a ira de Deus é revelada dos céus contra toda a impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois o que se pode conhecer de Deus é manifesto entre eles, porque Deus lhe manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido visto claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque, porque tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos.”[2]

Cabe aqui pensarmos se em nossa geração nós também não estamos raptando o Senhor; e se estivermos resta-nos, com humildade, reconhecer o nosso erro e cumprir o desafio proposto pelo pensador francês, ou seja, “tornar Cristo acessível”.

Por meio da pregação de um evangelho, que nada mais é que uma procura pelos “bens terrestres daqui”, temos tornado a verdade do Evangelho em mentira, temos escondido Deus; e o mundo não consegue enxergá-Lo em meio ao nosso desatino na pregação das Boas Novas. Lembremos com temor e tremor que

“A obra da Igreja é pregar o Evangelho a toda criatura (Mt. 28.19,20), e explanar o plano da salvação tal qual é ensinado nas Escrituras. Cristo tornou acessível a salvação por provê-la; a Igreja deve torná-la real por proclamá-la.”[3]

Fomos chamados para mostrar Deus ao mundo e quando falhamos nesta tarefa, falhamos naquilo que é uma das razões de ser da Igreja, isto é, ser luz para este mundo. Somos instrumento pelos quais Deus se mostra as pessoas, e quando não nos dispomos a sê-lo cumprimos a tarefa em sentido contrário, ou seja, escondemos o nosso Deus daqueles que precisam conhecê-Lo como Senhor e Salvador de suas vidas. Temos, portanto, um desafio a ser vencido: tornar o Evangelho e, consequentemente, a pessoa de Cristo cada vez mais conhecida ao mundo. Não por meio de raciocínios vazios, ou de palavrórios inúteis, mas por meio do evangelho que é o poder de Deus para todo aquele que crê.
E da próxima vez que perguntarem “onde está Deus?” possamos nos levantar como aroutos do reino, para dizer a todos que “o nosso Deus está nos céus, e faz tudo o que lhe apraz”.[4] Ele, por graça, se faz conhecido por nós e em nós.

Nota
[1] Citado por MOELLER, Charles. Literatura do Século XX e Cristianismo. São Paulo:Flamboyant, 1959, p. 19.
[2] Romanos 1.18-22 – NVI
[3] PEARLMAN, Myer. Conhecendo as Doutrinas da Bíblia. São Paulo: Vida, 25ª imp. 1997, p. 218
[4] Salmos 115.3

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