Em Defesa do Culto de Passagem de Ano
Por
Caramuru A. Francisco
Sabemos todos que vivemos dias de apostasia na Igreja, mais um dos
muitos sinais que estão a indicar a proximidade do arrebatamento da Igreja e do
término da dispensação da graça. No entanto, as
manifestações desta apostasia não podem ser simplesmente ignoradas pelos servos
do Senhor Jesus, até porque devemos, como nos ensina Judas, o irmão do Senhor,
“batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd.3 “in fine”), inclusive
reagindo como nos ensina o pastor Natanel Rinaldi, considerado o maior
apologista evangélico brasileiro, que afirmou, em entrevista, que “temos de
agir amando a verdade como eles [os hereges, observação nossa] se apegam à
mentira” (Apologética, ano 2, ed. 9, p.65). Assim, não podemos nos calar quando vemos movimentos dentro de
nossas igrejas locais que são sinais desta apostasia, sendo nosso dever
denunciá-los e, no limite de nossas forças, fazer com que sejam neutralizados e
retrocedam, “salvando alguns, arrebatando-os do fogo” (Jd.23 “in initio”), para
usar, uma vez mais, de uma expressão de Judas.
Temos notado que, de
forma crescente, muitas igrejas locais têm banido de suas atividades o “culto
da passagem de ano”, aquele culto em que a Igreja se reúne para ver, a um só
tempo, o final do ano em curso e o início de mais um ano. Muitos têm justificado esta retirada
com diversos argumentos: são muitos os irmãos que viajam nesta época do ano e,
portanto, a frequência de tal culto é diminuta; o horário do culto é
sacrificante para os irmãos, máxime nas grandes cidades, onde a violência e
criminalidade só fazem aumentar; trata-se de um momento eminentemente familiar
e se deve prestigiar a vida familiar dos irmãos. Todas estas “justificativas”, entretanto, não passam de desculpas
para se esconder o que realmente está ocorrendo para que alguns já tenham
retirado este culto de suas agendas: a apostasia, o distanciamento de suas
vidas do Senhor Jesus.
O “culto da
passagem de ano”, por primeiro, não é uma invenção nem tampouco uma “tradição”
criada no bojo das igrejas evangélicas e do movimento pentecostal. Verdade é
que, na história das Assembleias de Deus, vemos que se trata de uma prática que
já era adotada pelos pioneiros, como, v.g., Gunnar Vingren que retornou aos
caminhos do Senhor no culto de vigília de Ano Novo em 1896, quando tinha 17
anos de idade (VINGREN, Ivar. Diário do pioneiro Gunnar Vingren.
5.ed., p.20), prática que instalou nas nascentes Assembleias de Deus,
visto que noticia que, no culto de ano novo de 1914, o Senhor usou em profecia
a irmã Celina Albuquerque, a primeira pessoa a ser batizada com o Espírito
Santo em terras brasileiras (op.cit., p.68).
Entretanto, a
ideia de celebração solene diante de Deus da passagem de ano vem-nos da própria
lei de Moisés. A “festa das trombetas”, realizada no dia primeiro do mês sétimo
(Lv.23:24,25) é o que se denomina de “Ano Novo Judaico”, o conhecido “Rosh
Hashanah”, solenidade “…cujo significado e solenidade, para os devotos…”,
segundo o estudioso judaico Nathan Ausubel diz que “…só está abaixo do dia de
Iom Kipur, o Dia da Expiação…” (Rosh Hashanah”. In: A JUDAICA, v.6,
p.732). Verificamos, pois, que o Senhor desejava que o Seu povo, na passagem de
um ano para o outro, fizesse isto de forma solene, a fim de que se lembrasse de
que a passagem do tempo é uma dádiva divina, é um momento, um instante em que
devemos recordar de nossa dependência de Deus e da circunstância de que o tempo
é uma realidade para os homens, o que, entretanto, inexiste para o Senhor.
O judeu francês Émile
Durkheim (1858-1917), considerado o primeiro sociólogo moderno, em seus
estudos, bem demonstrou que um dos papéis da religião na sociedade é o de dar
noções de espaço e de tempo, noções fundamentais para o próprio desenvolvimento
do raciocínio humano. Ao determinar a celebração da passagem do ano (como
também o princípio dos meses, cf. Nm.10:10), o Senhor queria deixar bem claro a
Israel de que Ele é o Senhor do tempo, que Ele é eterno e que tudo o que ocorre
no tempo é algo que está diante d’Ele e que devemos ser agradecidos ao Senhor
por tudo o que aconteceu, lembrando também que de tudo daremos conta a Ele.
Embora não estejamos
debaixo da lei, é evidente que os princípios que norteiam a celebração da
passagem de ano permanecem na graça, visto que têm a ver com a soberania
divina, a gratidão do povo de Deus e a consciência de que a passagem do tempo é
um sinal da dependência do homem em relação ao seu Criador. A existência de um
culto de ano novo, portanto, é uma forma de a Igreja agradecer a Deus pela
passagem deste tempo, de recordar a sua responsabilidade pelos atos praticados
e de reafirmar a dependência que temos em relação a Deus em tudo o que fazemos.
O calendário,
como diz Durkheim, ajuda-nos a organizar a nossa mente, a fazermos uma análise
de nossas atitudes e de nossa vida, a fazermos um autoexame, o que é
fundamental para que nos mantenhamos em comunhão com o Senhor (cf. I Co.11:28).
Não é desarrazoado, aliás, que muitas igrejas locais tenham aproveitado a
ocasião para também celebrar a ceia do Senhor, máxime nas denominações que o
fazem anualmente.
O culto de ano novo
encerra, assim, uma importante mensagem: a admissão de que o período de tempo
transcorrido se deve única e exclusivamente ao Senhor e que d’Ele dependemos em
tudo, motivo pelo qual sempre iniciamos e terminamos o ano na presença do Senhor.
O culto de ano novo traduz a completa dependência que temos do Senhor, o
reconhecimento de que “sem Ele nada podemos fazer” (cf. Jo.15:5 “in fine”), de
que Ele ocupa a primazia em nossas vidas, pois Ele é “o princípio e o fim”
(AP.1:8; 21:6; 22:13). Ao começarmos e terminarmos um ano na presença do
Senhor, reunidos em Seu nome, na igreja local, estamos declarando a todos que o
Senhor é a razão de ser de nossas vidas, de que não mais vivemos para nós
mesmos, mas para Ele (Gl.2:20).
Quando, porém, pomos
outros interesses acima desta celebração, estamos, simplesmente, admitindo que
a reunião coletiva da Igreja, o culto a Deus na igreja local é algo que ocupa
apenas o “tempo de sobra”, algo que é secundário. Dizer que a frequência da
igreja é diminuta nesta época do ano, o que justificaria a retirada deste culto
da agenda é uma falácia, pois o Senhor diz que estará presente onde estiverem
dois ou três reunidos em Seu nome (Mt.18:20) e esta diminuta frequência,
ademais, não retira da agenda outras reuniões, como as do meio de semana, cada
vez mais vazias. Dizer que o horário do culto é sacrificante para os irmãos é
também outra falácia, pois, em outras reuniões (e algumas nada edificantes),
não se verifica a questão de horário, quando isto convém, e em períodos onde
não há uma intensa movimentação, como ocorre nos finais de ano, onde há uma
tradição da espera do novo ano e um intenso e anormal movimento nas ruas,
inclusive nas grandes cidades, apesar do horário.
A propósito, muitos que
“não querem se sacrificar” ficando até meia noite nas igrejas locais, são os
mesmos que, “livres do compromisso do culto de ano novo”, vão se somar a
multidões à espera do ano novo nas ruas, em ambientes e circunstâncias muito
mais perigosos, como são as concentrações de “réveillon” tradicionalmente
organizadas nas cidades. Deixa-se de realizar os cultos de ano novo e os
crentes vão para os foguetórios, para os “shows de virada” e tantas coisas nada
edificantes do ponto-de-vista espiritual…
Dizer que se trata de
um “momento familiar” e de que o culto de ano novo prejudicaria a vida familiar
dos irmãos é outro raciocínio enganoso, visto que o culto de ano novo é,
precisamente, o momento em que a família pode estar diante de Deus para
agradecer ao ano que termina e pedir as bênçãos de Deus para o ano que começa.
Caso o salvo não tenha seus familiares na casa do Senhor, isto não o impede de
convidá-los para ir ao culto ou de, primeiro, adorar a Deus e, em seguida,
dirigir-se até onde estão seus familiares para com eles compartilharem o
momento festivo.
Estes crentes que
querem ter “um momento familiar”, por acaso, na passagem do ano, realizam
“culto doméstico” em suas casas? Evidentemente que não, até porque não o fazem
o ano inteiro, por que o fariam agora? Que “preocupação com o momento familiar”
é esta se não há sequer comunicação entre os membros da casa durante o ano?
Tudo não passa de uma artimanha para se fugir da presença do Senhor.
A propósito, estes
mesmos que se dizem “preocupados com a vida familiar”, montam agendas durante o
ano que, na prática, inviabilizam a vida familiar de seus membros, a indicar
que não é este o real motivo para o banimento do culto de ano novo. O que
temos, pois, na verdade, para esta prática que se tem intensificado é um
sentimento de distanciamento do Senhor. As pessoas, apesar de se dizerem
cristãs, estão cada vez mais deixando Deus de lado, não se sentem dependentes
do Senhor, não põem Deus em primeiro plano, não têm mais a consciência de que
sem Ele nada pode ser feito. Por isso, querem aproveitar os momentos festivos
para se divertirem, para o entretenimento, não tendo mais uma vida
compromissada com
Deus. É este o verdadeiro espírito que está por detrás de
medidas como estas, que traduzem apenas um desvio espiritual crescente e
preocupante.
Entendamos, pois, a
importância e o significado do culto de ano novo e que, com esta celebração,
assumamos, a cada mudança de ano, o compromisso de viver cada vez mais na
dependência do Senhor, que nos quer dar a vida eterna, o instante em que
estaremos, para sempre, livres da barreira do tempo.
Disponível em: http://www.portalebd.org.br/principal/estudos-biblicos/item/920-em-defesa-docultode-passagem-de-ano
Comentários
Postar um comentário