As Bem-Aventuranças do Antigo Testamento 4/4

Por Caramuru A. Francisco 


IV – AS BEM-AVENTURANÇAS NOS LIVROS PROFÉTICOS

Não são abundantes as bem-aventuranças nos livros proféticos. Em Is.30:18, o profeta afirma que “bem-aventurados são os que esperam no Senhor”. Aqui o profeta repete algo que já fora dito pelo salmista algumas vezes. Tal bem-aventurança é afirmada em meio a uma profecia de juízo contra o povo, a fim de que, apesar da manifestação da ira do Senhor por causa da rebeldia (Is.30:1), Israel soubesse que Deus era um Deus de equidade e que, por isso, valeria a pena aguardar a Sua salvação.

Em Is.32:20, o profeta, ao trazer a promessa da vinda de um Rei de justiça (Is.32:1), ao término da profecia, diz serem “bem-aventurados os que semeiam sobre todas as águas e que enviam o pé do boi e do jumento”.

Esta bem-aventurança está vinculada ao livramento prometido ao povo após a execução do juízo, já aludida anteriormente, pois, após a manifestação da ira, o Senhor promete que “dará chuva sobre a semente” e haverá fertilidade da terra (Is.30:23-26), resultado do “derramamento do Espírito lá do alto” (Is.32:15).

Vemos, pois, que a bem-aventurança não está na fertilidade da terra nem nas boas colheitas e sucesso da criação, mas, sim, no fato de que o Senhor irá restaurar espiritualmente o Seu povo, de modo a que eles vivam em paz e justiça (Is.32:16-18). Nesta verdadeira profecia atinente ao reino milenial de Cristo, vemos que a bem-aventurança se entende como um estado espiritual de comunhão com Deus.

Em Is.56:2, o profeta afirma que “bem-aventurado o homem que manter o juízo e fizer justiça”, bem-aventurança que deve ser entendida à luz de Is.56:1. No paralelismo hebraico, esta bem-aventurança está associada a “guardar-se de profanar o sábado e de perpetrar algum mal”.

Então, bem-aventurado é quem guarda o sábado? Sim e não. Lembremo-nos de que estamos no Antigo Testamento, e, deste modo, o profeta se dirige a Israel. O sábado era o sinal da aliança entre Deus e Israel (Ex.31:13) e, portanto, o que o profeta está a dizer é que a fidelidade, o honrar o compromisso assumido com Deus era uma bem-aventurança para todo israelita.

Mais uma vez vemos que o cumprimento dos mandamentos do Senhor, a guarda da Sua Palavra é a verdadeira felicidade para o homem. Hoje, a Igreja não está sujeita ao sábado, mas, sim, a um compromisso de ser fiel a Deus até a morte, assumido solene e publicamente quando do batismo nas águas, residindo aí a fonte de sua bem-aventurança. Não podemos, ademais, praticar o mal, pois a bem-aventurança está em não fazer o mal. Lembremos disto, amados irmãos!

Em Dn.12:12, o profeta escatológico afirma que “bem-aventurado o que espera e chega até mil trezentos e trinta e cinco dias”. Temos aqui uma bem-aventurança específica para o povo de Israel, para os últimos dias. Este tempo mencionado pelo profeta corresponde ao período que vai desde a abominação do terceiro templo judaico pelo Anticristo até o estabelecimento do reino milenar de Cristo. Assim, esta bem-aventurança diz respeito ao remanescente de Israel, esta porção que, por se converter a Cristo, será salva e reinará com Cristo por mil anos (Rm.11:25,26).
OBS: “…A divisão dos dias. 1) Um período de 1.260 dias (três anos e meio) até a destruição e prisão da Besta (Dn.12:7,11; Ap.19:19,20). 2) Um período de 1.290 dias (Dn.12:12), acrescentado de mais 45 dias. Está escrito em Mt.24:22, que, ‘se aqueles dias (1.335) não fossem abreviados (para 1.260), nenhuma carne se salvaria; mas, por causa dos escolhidos (os judeus) serão abreviados aqueles dias’…” (SILVA, Severino Pedro da. Daniel versículo por versículo, p.237).

Conforme podemos depreender, pois, reconhecer a Cristo como Senhor e Salvador é uma bem-aventurança, inclusive para os judeus que, em meio a Grande Tribulação, chegarem vivos até o instante de reconhecer Cristo como o Messias e, por causa disso, reinar com ele por mil anos. Esta bem-aventurança é repetida em Ap.20:5, se bem que aí em relação à Igreja e aos salvos durante a Grande Tribulação.

Em Ml.3:12, o profeta afirma que os israelitas seriam chamados de “bem-aventurados” pelas nações em virtude da terra deleitosa que seriam, em virtude de trazerem eles os dízimos à casa do tesouro.

Tem-se aqui, para “alegria” dos “teólogos da prosperidade”, uma alusão material à “bem-aventurança” e, o que mais “alegra” estes “pregadores”, ligada à “entrega de dízimos”. Seria este texto, em meio a tantas contraprovas no Antigo Testamento, um suporte para esta “teologia”?

Por primeiro, devemos, antes de mais nada, lembrar que um único texto não pode alicerçar qualquer doutrina bíblica, de sorte que, ainda que se tenha uma evidência na passagem de que a bem-aventurança está relacionada a uma entrega de dízimos isto não pode ser erigido a título de doutrina, ainda mais que, como temos visto até aqui, em momento algum houve esta vinculação de bem-aventurança a aspectos materiais.

Entretanto, para “tristeza” dos “teólogos da prosperidade”, o texto não permite fazer as costumeiras alusões de barganha e “toma-lá-dá-cá” que estes falsos ensinadores costumam fazer para associar a bem-aventurança a um bem-estar material e econômico-financeiro.

Malaquias está a dizer ao povo de Israel que eles deveriam cumprir a lei e entregar seus dízimos à casa do tesouro, ao templo, o que não estava mais ocorrendo em seus dias. O profeta denuncia esta indiferença do povo com relação ao serviço do templo, que nada mais era que um reflexo, uma demonstração da indiferença que o povo tinha em relação ao próprio Deus.

Assim, Malaquias, relembrando a lei de Moisés ao povo, afirma que, se os israelitas cumprissem a lei, o Senhor, conforme já havia deixado atestado na própria lei, daria fertilidade à terra, visto que era propósito de Deus abençoar Israel e fazê-la exaltar sobre as demais nações para que, tendo prosperidade material, pudesse, através deste sinal, exercer a sua função de “reino sacerdotal e povo santo”.

Bem vemos, de pronto, que a questão material, como já estudado neste trimestre, não pode ser transferida para a Igreja, pois Israel era uma nação física, material e que deveria, ante a sua pujança material, mostrar-se às demais nações como sendo o povo do único e verdadeiro Deus. Assim, ainda que se tenha a vinculação da bem-aventurança a um estado material, esta vinculação é tão somente a Israel, ao papel que deveria desempenhar até a vinda do Messias, algo que não pode ser como prometido para a Igreja na dispensação da graça.

Destarte, esta vinculação não se refere à Igreja, é uma das bênçãos de Israel que não cabe à Igreja o que, por si só, já destrói todo o discurso da “teologia da prosperidade”.

Mas, não bastasse isso, tem-se que o profeta diz que quem associaria esta abundância material, realmente prometida por força da entrega dos dízimos na casa do tesouro, a uma bem-aventurança seriam as nações, ou seja, os gentios. Destarte, não é Deus quem diz que é “bem-aventurado” quem tem abundância material, mas era assim que os gentios considerariam Israel, a quem caberia ensiná-los como “povo santo e reino sacerdotal” que a “bem-aventurança”, como vemos nas Escrituras, não era a abundância material, mas, sim, o servir a Deus, o ter a Deus como o Senhor.

Deste modo, vemos que, além do texto não indicar que o crente da dispensação da graça terá abundância material por entregar dízimos, vemos que nem ao menos o texto diz que abundância material é bem-aventurança, pois tão somente afirma que os gentios, para quem prosperidade se confunde com bem-estar material, é que chamariam os israelitas (a quem apenas é dirigida a promessa) de “bem-aventurados” por causa da abundância material.

E tanto assim é que o outro texto de Malaquias que usa a palavra “bem-aventurado”, a saber, Ml.3:15, também assim denomina não quem seja bem-aventurado, mas quem os rebeldes israelitas estavam a chamar “bem-aventurados”, ou seja, os soberbos, os que cometiam iniquidade.

Na sua indiferença com relação a Deus, os judeus dos dias de Malaquias estavam achando que era inútil servir a Deus e que valia mais a pena ser como os pecadores, que, apesar de seu pecado, estavam edificados e, aparentemente, escapavam das mãos do Senhor apesar de sua vida iníqua.

Vemos, pois que Malaquias, nas duas vezes em que fala de “bem-aventurados”, não apresenta realmente “bem-aventuranças”, mas conceitos de “bem-aventurança” que não são respaldados pelas Escrituras, mas que são concepções oriundas de pessoas que não têm qualquer compromisso com Deus.

A propósito, o conceito apresentado por Malaquias em relação aos judeus que haviam desistido de servir a Deus é um conceito muito próximo ao do salmista Asafe que, por ver a prosperidade dos ímpios e invejá-los, quase se desviou (Sl.73:2,3). Se o salmista quase se desviou, estes judeus mencionados pelo profeta já estavam desviados e, o que é impressionante, com um comportamento que não tem diferença alguma para com os “teólogos da prosperidade”, que também preferiram buscar as riquezas desta vida a servir a Deus.

Portanto, não só o texto de Malaquias não confirma, ainda que isoladamente, o falso conceito de prosperidade dos “teólogos da confissão positiva”, como ainda nos dá suporte para dizer que tal conceito não tem qualquer respaldo bíblico, é uma demonstração de desvio espiritual.

Vemos, pois, de forma bem clarevidente, que o Antigo Testamento jamais associou a “bem-aventurança” com aspectos materiais ou físicos, mas, sempre, como uma atitude decorrente de uma vida de comunhão com Deus, de uma vida de submissão à vontade do Senhor, de guarda de Sua Palavra. Será que, à luz do Antigo Testamento, somos “bem-aventurados”?



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