As Bem-Aventuranças do Antigo Testamento 2/4
Por Caramuru A. Francisco
II – AS BEM-AVENTURANÇAS NOS LIVROS POÉTICOS PROPRIAMENTE DITOS (JÓ, SALMOS
E CANTARES)
Os livros poéticos são os que mais contêm bem-aventuranças no Antigo
Testamento, motivo pelo qual analisaremos separadamente os livros poéticos propriamente
ditos (Jó e Salmos) e os livros de sabedoria (Provérbios e Eclesiastes).
Em Jó 5:17, Elifaz, em sua primeira fala contra Jó, afirma que
“bem-aventurado é o homem a quem Deus castiga”. Ainda que tenhamos de ter
cuidado nas falas dos amigos de Jó, pois sua visão sobre Deus não era correta
(Jó 42:7), nem por isso podemos desprezar tudo quanto disseram, como é o caso
desta “bem-aventurança”, em
que Elifaz fala a respeito do homem e não de Deus. Aqui, o
mais velho dos amigos de Jó diz que é “bem-aventurado a quem Deus castiga”,
ensino que encontra respaldo nas Escrituras, como, por exemplo, em Hb.12:5,6. O
castigo divino, a disciplina dada por Deus é uma prova de que o homem castigado
é amado por Deus e foi recebido como Seu filho. E ser filho de Deus, ser
herdeiro de Deus e coerdeiro de Cristo (Rm.8:17), como Jesus nos ensina no
sermão do monte é ser bem-aventurado.
Como este ensino é diferente do que ensinam os “pregadores da
prosperidade”, que entendem que Deus jamais pode castigar um filho Seu. Entretanto,
ser alvo do castigo de Deus, da disciplina divina, ter a consciência de que se
é filho e não bastardo, é uma bem-aventurança. Aleluia!
Em Jó 29:11, o patriarca Jó, ao se lamentar do seu primeiro estado, diz que
era tido como “bem-aventurado” pelos que o ouviam. Dentro do chamado
paralelismo hebraico, que é a circunstância de, notadamente em versos de um
poema, se repetir a mesma ideia com palavras diferentes, entendemos que a
“bem-aventurança” mencionada por Jó não era a sua posição social ou econômico-financeira
do passado, mas, sim, o “testemunho”.
Assim, a bem-aventurança de Jó não estava nas posses materiais que tinha
antes da sua provação, mas, sim, no seu testemunho, testemunho este que era
dado pelo próprio Deus, ou seja, de que era homem sincero, reto, temente a Deus
e que se desviava do mal (Jó 1:1,8).. É na posse destas qualidades agradáveis
ao Senhor que se encontra a bem-aventurança, a felicidade de um ser humano.
O livro dos Salmos já começa com uma bem-aventurança. No Salmo primeiro, o
salmista já afirma que “bem-aventurado é o varão que não anda segundo o
conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na
roda dos escarnecedores, antes tem o seu prazer na lei do Senhor e na sua lei
medita de dia e de noite” (Sl.1:1,2). Este salmo é extremamente importante para
avaliarmos a questão da prosperidade, pois é um texto muito utilizado pelos
“pregadores da prosperidade” para dizer que “tudo que o crente fizer,
prosperará”. No entanto, a prosperidade indicada está umbilicalmente vinculada
à bem-aventurança que abre o salmo, bem-aventurança esta que diz respeito a ter
prazer na lei do Senhor e nela meditar de dia e de noite.
A felicidade do ser humano encontra-se em observar a lei do Senhor, em
conhecê-la, em meditar nela continuadamente, o que permite que, na jornada da
vida, não se ande segundo o conselho dos ímpios, nem se detenha no caminho dos
ímpios, nem se assente na roda dos escarnecedores.
“Tudo quanto fizer, prosperará” é resultado de uma vida de submissão à
vontade do Senhor, de uma vida arraigada na Palavra do Senhor, pois o
bem-aventurado é aquele que é “como a árvore plantada junto ao ribeiro de
águas, que dá o seu fruto na estação própria, e cujas folhas não caem”
(Sl.1:3). Prosperidade depende de inabalável firmeza na Palavra do Senhor,
prosperidade é frutificar espiritualmente no tempo do Senhor, segundo a vontade
do Senhor, algo muito, mas muito diferente mesmo do que dizem os falsos
pregoeiros da confissão positiva.
No Salmo segundo, temos outra bem-aventurança: “bem-aventurados todos
aqueles que n’Ele confiam” (Sl.2:12). Quem é este “Ele”? É o Filho, o Rei
ungido por Deus (Sl.2:6), ou seja, o Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A
bem-aventurança é confiar em Cristo, é ter fé n’Ele, é esperar n’Ele, algo que
os falsos pregadores da prosperidade não fazem, pois preferem “mandar” e
“obrigar” o Senhor.
No Sl.32:1,2, temos que “bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada
e cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa
maldade e em cujo espírito não há engano”. Temos aqui, nestas expressões
didáticas de Davi, que a razão de ser da felicidade do homem é o perdão dos
seus pecados por parte do Senhor. Estes pecados, que no tempo da lei eram
apenas cobertos, foram tirados por Cristo Jesus (Jo.1:29) e reside aí a
verdadeira felicidade do ser humano. A bem-aventurança encontra-se no fato de
podermos ter novamente comunhão com Deus, de Jesus ter pagado o preço dos
nossos pecados e, por isso, podermos desfrutar, novamente, da Sua companhia, da
Sua presença. Como isto é diferente do que propalam os enganadores da confissão
positiva…
No Sl.33:12, é dito que “bem-aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor, e o
povo que ele escolheu para Sua herança”. Neste salmo, o salmista como que
rememora as palavras de Moisés em Dt.33:29 e demonstra que a bem-aventurança de
uma nação, “in casu”, Israel, não residia na posse da “terra que mana leite e
mel” e, sim, na circunstância de se ter sido escolhido por Deus para ser a “Sua
herança”. A bem-aventurança está na filiação divina, na condição de filho de
Deus, não na posse de riquezas materiais.
No Sl.34:8, Davi, num momento extremamente delicado de sua vida, quando
teve de se fazer de louco para escapar das mãos de Abimeleque, rei de Gate, chega
a uma conclusão: a de que bem-aventurado é o homem que confia em Deus. Tendo recebido o
livramento da parte do Senhor, Davi verifica que a verdadeira felicidade está
em confiar em Deus, mesma conclusão a que havia chegado o autor do Salmo 2.
Davi repete esta sua afirmação no Sl.40:4, afirmativa, porém, que é
completada pois, pelo paralelismo hebraico, aprendemos que “pôr no Senhor a sua
confiança” é “não respeitar os soberbos nem os que se desviam para a mentira”.
Vemos aqui que a vera felicidade do homem está em confiar em Deus e que confiar
em Deus é ter humildade, submissão a Deus, como também manter-se fiel à Sua
Palavra, que é a verdade (Jo.17:17). Assim, quem passa a confiar nas lorotas
dos “teólogos da prosperidade”…
Davi, no Sl.41:1, fala de outra bem-aventurança, dizendo que
“bem-aventurado é “aquele que atende ao pobre”. Temos aqui, pela vez primeira,
nas Escrituras, a lição de que a felicidade está em dar e não em receber bens
materiais. Quem atende ao pobre, ou seja, quem usa da abundância de bens
materiais para ajudar a quem precisa, é bem-aventurado. Vemos como não são
bem-aventurados os “enriquecidos” da “teologia da prosperidade” que apenas
amealham para si, nunca para o próximo…
No Sl.65:4, Davi, em outro salmo, dá-nos conta de outra bem-aventurança:
“bem-aventurado aquele a quem Tu escolhes e fazes chegar a Ti, para que habite
em Teus átrios”. A verdadeira felicidade, a real prosperidade está em ser
escolhido por Deus e manter comunhão com Ele. Mais uma vez, as Escrituras nos
mostram que a bem-aventurança é um estado espiritual de salvação, jamais a
posse de bens materiais.
No Sl.72:17, um salmo de Davi feito em homenagem a Salomão, Davi profetiza
e anseia que seu filho seja considerado “bem-aventurado” pelas nações. De onde
viria esta bem-aventurança? O que Davi entendia ser a real prosperidade? Do
fato de que o novo rei receberia de Deus os Seus juízos e a Sua justiça
(Sl.72:1). Desta circunstância, Salomão poderia ter justiça e paz no seu
reinado, dando condições para que, então, houvesse prosperidade material. A
bem-aventurança, uma vez mais, está relacionada com a comunhão com Deus.
No Sl.84, o salmista fala de duas bem-aventuranças. A primeira é a dos “que
habitam na casa do Senhor” (Sl.84:4), repetindo-se o que Davi já cantara no Sl.65:4.
“Habitar na casa do Senhor” é ter comunhão com Deus, é ser dedicado à adoração.
Reside aqui a felicidade do ser humano. Esta comunhão com Deus, que parte do
interior, é a segunda bem-aventurança, a “do homem cuja força está em Deus”
(Sl.84:5), o que, pelo paralelismo hebraico, entendemos que se trata da
circunstância de ter conduzido a vida conforme a vontade de Deus, de ter, como
diz o salmista, “o coração com os caminhos aplanados”.
No Sl. 106:3, o salmista diz que “bem-aventurados são os que observam o
direito, o que pratica a justiça em todos os tempos”. Como que complementando o
sentido dado no Sl.84:5, vemos que a felicidade está em praticar a justiça, ou
seja, em seguir aquilo que Deus tem determinado como o correto, o justo, o
certo.
No Sl.112:1, o salmista reafirma este pensamento, ao dizer que é
“bem-aventurado o homem que teme ao Senhor, que em Seus mandamentos tem grande
prazer”. Repete-se a bem-aventurança do Sl.1, mostrando-se que a felicidade do
homem está em servir a Deus, cumprindo a Sua Palavra.
O maior de todos os salmos não poderia deixar de mencionar
bem-aventuranças, até porque seu tema é a Palavra de Deus e, como temos visto
nestes últimos salmos, as bem-aventuranças estão vinculadas à observância das
Escrituras. O Sl.119 já começa com uma bem-aventurança, qual seja, a “dos que
trilham caminhos retos e andam na lei do Senhor”. A bem-aventurança, uma vez
mais, encontra-se relacionada à obediência à Palavra do Senhor. No versículo
seguinte, o salmista apresenta-nos outra bem-aventurança, a “dos que guardam os
Seus testemunhos e O buscam de todo o coração”. Feliz, mais do que feliz é o
homem que não só obedece ao Senhor e à Sua Palavra, mas também que busca a Deus
de todo o coração. A bem-aventurança está em buscar a Deus e não às bênçãos de
Deus.
No Sl.127:5, um cântico de degraus de autoria de Salomão, o rei que foi tão
rico apresenta-nos como bem-aventurança “o homem que enche a sua aljava de
filhos”, a mostrar que muito mais importante do que ter bens materiais é
cumprir o dever de multiplicação dado por Deus ao homem. A bem-aventurança,
novamente, está condicionada à obediência à voz do Senhor Deus. Infelizmente,
nos dias em que vivemos, muitos, inclusive os que cristãos se dizem ser,
preferem não ter filhos para não ter gastos, para ter uma vida “feliz”…
O Sl.128, outro cântico dos degraus, começa com uma bem-aventurança, a de
“aquele que teme ao Senhor e anda nos Seus caminhos”, que é repetição do que se
encontrou em salmos anteriores, como já tivemos ocasião de analisar. O saltério
deixa bem presente que a felicidade do ser humano está em ser obediente ao
Senhor.
No Sl.144:15, um salmo de Davi, repete-se a bem-aventurança constante do
Sl.33:12, qual seja, a bem-aventurança do povo cujo Deus é o Senhor. O segredo
da felicidade de uma nação não está em ter recursos naturais abundantes, nem
tampouco em dar condições materiais sublimes a seu povo, mas em ter a Deus como
seu Senhor.
No Sl.146:5, o salmista diz que é bem-aventurado “aquele que tem o Deus de
Jacó por seu auxílio e sua esperança está posta no Senhor seu Deus”. Vemos,
ainda esta vez, a razão de ser da felicidade do homem: a sua comunhão com o
Senhor. Poder ser ajudado por Deus e esperar n’Ele é a bem-aventurança, a
verdadeira felicidade. Entretanto, os “pregoeiros da prosperidade” preferem
confiar nas riquezas materiais…
Em Ct.6:9, temos a única ocorrência da palavra “bem-aventurado”, na
verdade, “bem-aventurada”, para mencionar a amada do noivo, aquele que é única
na multidão de mulheres do harém do noivo, por ser “a pomba, a imaculada do
noivo”. Apesar do caráter romântico do poema, vemos, claramente, que a
bem-aventurança está relacionada ao caráter imaculado da noiva, não à sua
formosura, nem tampouco à sua situação patrimonial. A Igreja de Cristo é
bem-aventurada por causa da sua santidade. Aleluia!
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